quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ironia

Tem linhas na vida que não se apagam,
Tem linhas na vida que escrevem o teu nome
Em pedra, mármore, aço, ou o que seja.

Há cores que não se esgotam,
Nem pela noite, nem quando as nuvens
Apagam o céu e o mar.

As lembranças afluem como pássaros,
Pássaros de água e ar,
batendo asas de papel fino e transparente.

Você não os vê, mas os sente,
Rasante em seus võos calorosos,
Distantes e, ao mesmo tempo, tão próximos!

O que desenhaste na areia do tempo,
desapareceu com o tempo.

O que desenhaste - eu, tua criação -
Já é sombra do que foi, e não está mais lá,
se não aí, onde mais te ocultas, teu ser inteiro:
Coração.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Pássaro Negro


Tu, que desfia o silêncio dos meus gestos,
Tu, na espreita dos meus sonhos:
Eu lembro de ti.

Eu lembro quando tu, mansamente,
devorava o meu coração, abrindo uma cavidade funda e sombria.

Eu lembro quando tu, ave de Prometeu,
Puxou uma a uma as fibras do meu corpo
e da minha alma fez um ninho
crespo para o teu sono.

Tuas asas negras abraçam o vôo
do meu espírito,
E eu já não vejo cidades ou fortalezas: apenas terra e mar.

Eu vôo contigo, mas para longe de ti.
Eu para a luz, tu para a sombra,
- minha sombra.

Para as sombras das minhas mãos, para
a luz dos meus olhos,
Tu é a escuridão alegre da chuva,
Se desfazendo em bruma,
Me desfazendo.

O ruído das tuas penas, majestosas e tímidas,
sempre me desperta do meu grande e longo sono.

Tu sempre esteve aqui,
o bico molhado no meu ser,
Saudável e saciado desta fonte morna.

Tuas garras douradas, penetrando
em meus pensamentos como agulhas
ou poesia;

dor e júbilo, unidos pelo laço que
cortamos.

Enfim, demônio abrupto,
Eu já não tenho alma para vender
Em troca de felicidade, ouro, mar.

Mas a pedra que eu pensava ser
agora está coberta pelo musgo;
e a vida prolifera em mim, de dentro
para fora.

E a pedra está na costa, defronte
para o oceano,
Bela e cruel.

O mar rompe em seu dorso,
e restos de corais a vestem como um manto.

E tu? Para onde voas agora?

O céu que tomaste para ti
É uma pedrinha nua e azul,

E tu, tu, ainda esperançoso,
de que haja qualquer coisa como o destino
te esperando na outra margem,
bate as asas alegremente,
levando um pouco do que eu fui.

Mas tu, pesadelo da luz,
sempre voa para mim,
e eu sempre estou ali.

Indivisíveis, nos confundimos nas águas
e morremos juntos, plenos.

Indivisíveis, as nuvens que amaste
gravitam em minhas águas,

e tu te perdes
onde eu te encontrei:

aqui,
e para sempre.