Tu, que desfia o silêncio dos meus gestos,
Tu, na espreita dos meus sonhos:
Eu lembro de ti.
Eu lembro quando tu, mansamente,
devorava o meu coração, abrindo uma cavidade funda e sombria.
Eu lembro quando tu, ave de Prometeu,
Puxou uma a uma as fibras do meu corpo
e da minha alma fez um ninho
crespo para o teu sono.
Tuas asas negras abraçam o vôo
do meu espírito,
E eu já não vejo cidades ou fortalezas: apenas terra e mar.
Eu vôo contigo, mas para longe de ti.
Eu para a luz, tu para a sombra,
- minha sombra.
Para as sombras das minhas mãos, para
a luz dos meus olhos,
Tu é a escuridão alegre da chuva,
Se desfazendo em bruma,
Me desfazendo.
O ruído das tuas penas, majestosas e tímidas,
sempre me desperta do meu grande e longo sono.
Tu sempre esteve aqui,
o bico molhado no meu ser,
Saudável e saciado desta fonte morna.
Tuas garras douradas, penetrando
em meus pensamentos como agulhas
ou poesia;
dor e júbilo, unidos pelo laço que
cortamos.
Enfim, demônio abrupto,
Eu já não tenho alma para vender
Em troca de felicidade, ouro, mar.
Mas a pedra que eu pensava ser
agora está coberta pelo musgo;
e a vida prolifera em mim, de dentro
para fora.
E a pedra está na costa, defronte
para o oceano,
Bela e cruel.
O mar rompe em seu dorso,
e restos de corais a vestem como um manto.
E tu? Para onde voas agora?
O céu que tomaste para ti
É uma pedrinha nua e azul,
E tu, tu, ainda esperançoso,
de que haja qualquer coisa como o destino
te esperando na outra margem,
bate as asas alegremente,
levando um pouco do que eu fui.
Mas tu, pesadelo da luz,
sempre voa para mim,
e eu sempre estou ali.
Indivisíveis, nos confundimos nas águas
e morremos juntos, plenos.
Indivisíveis, as nuvens que amaste
gravitam em minhas águas,
e tu te perdes
onde eu te encontrei:
aqui,
e para sempre.