segunda-feira, 14 de março de 2011

[...]

(Para uma amiga.)

Pode parecer uma grande idiotice, mas eu gostaria de poder te salvar. Salvar a tua alma, sabe...? Talvez assim eu pudesse ter a ilusão de que salvei a minha.

Não, eu não acredito no Demônio. Inferno, talvez... É essa tua falta de esperança nas coisas. Eu não tenho esperança em nada, também. Olha o que estou dizendo! Eu, o "grande otimista". Sou mesmo um hipócrita.

Eu também estou danado, de alguma forma. Eu sinto que já não sou mais o mesmo, tu sabe... Não tenho mais o mesmo vigor, a mesma vontade de viver. Não neste mundo, feio e medíocre. Não ao lado destas pessoas, restos de corpos ambulantes. Narizes, olhos, mãos, orelhas amputadas. Restos. Estou entre restos.

Pode parecer uma grande idiotice, mas eu gostaria de salvar a tua alma. Talvez eu recebesse um perdão do mundo, uma condecoração babaca no peito, qualquer coisa assim, que fizesse eu me sentir importante. Eu sei, eu sei que é impossível. Você já está prestes a embarcar; os ventos sopram ao teu favor. As velas, as velas! Os pequenos barcos, ao longe, singram para nenhum lugar.

O que? Eu não consigo te ouvir. - Os ventos, os ventos! - Sopram violentamente. Eles nos separam, milhas e milhas. As águas são geladas e azuis. O sol não se reflete nelas; gelado e azul ele é uma cabeça esquálida no céu. Gelados e azuis como os teus olhos, as águas embalam palavras vazias de consolo. "Eu não pude, eu...". Ontem foi domingo, e eu não fiz nada de novo. As areias descobrem minhas pegadas, e logo as encobrem outra vez com um tecido áspero de nada...

- Nada neste mundo irá perdurar.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Fumegante, o grito
Dispara a agonia do vidro
De todas as janelas desta casa.
O corpo tomba sobre seus braços;
Ele diria adeus, se tivesse dentes
Para sorrir. Vai-se silenciosamente, entretanto,
para
Nenhum lugar.
Parece dormir sobre um leito de rosas
violentas. As pétalas carnívoras embebem-se
orgulhosas.
As patas da morte desgrenham seus cabelos;
- Ela se aproxima! -
Uma língua escura
Lambe-lhe o cenho, cobrindo-o de sombras esguias.
Viram-lhe o corpo; lãminas ósseas
Escapam pelo focinho: não se parece com um homem
Enquanto não tiver um nariz de homem. No lugar
Uma cava escarlate,
Onde gênios invisíveis bebem o gole sangrento.
Belos, seus dedos congelaram: pedia socorro?
Seus olhos, azuis, fecham suas portas
Deliberadamente. Sua garganta se desmonta
Sobre o látex: um último suspiro
De sua traquéia, e a sombra daquele homem
Se desfaz.

Violento, eu nasço;
Destruindo óvulos, placenta, entranhas; devorando o fígado
e os pulmões com dentes absurdos de mármore;
o hálito da vida de minha mãe cedo
se dobra em minha língua. Nem mau
Nem bom: apenas eu, repleto
por uma camada de pêlos hirsutos,
Banhado pelo nascimento como um touro jovem e cego.
Meu coração dispara. Bomba.
Tambores tribais, enervantes, destruindo tímpanos negros,
Elevando terríveis vozes e mais vozes, pilhas de corpos horrendos,
e huris, e danças, danças ósseas diante do fogo, repletas de
membros e taças transbordantes.
Chamas sobem e descem, sobem e descem
Como pêndulos, como instrumentos de cura e navalhas
De rocha afiada, e tendões azúleos, e como os braços do amigo decepado por uma arma branca, no
deleite de um espasmo elétrico...
Nos meus olhos: caldeirão onde
o Sol deixou-se cair, há trevas sendo corroídas pela luz violenta e salgada. Nos meus olhos tudo, tudogira com imperfeição.
O mundo cai; o abismo me encontra; Eu cavalgo costelas jovens; dorsos nus;
Minha língua está em teu coração, em teu coração; Uma serpente de rubi;
e meus dedos, galhos repletos de neve de ti, secos e afiados,
digerindo tuas castas asas brancas.

Sinto o cheiro de nuvens e mar;
Corro, sobre minhas patas,
A engolir nuvens e mar.