Bandido
Que partam para longe os poetas!
Esses sim ridículos.
Os intelectuais que dêem lugar aos bandidos.
Sou um bandido, um famoso.
Como carne todos os dias
E não tenho modos pela noite.
Não conheço mulher ou homem que não me admire
E admire as minhas riquezas.
Não sei ler ou escrever.
Apenas sei que você não precisa ler ou escrever
Se o que vale é a palavra dita e escarrada.
Escarre aqui! Isso, assim.
E dê adeus à arte.
É inútil e consome tempo. Tempo em que estaria fazendo coisas melhores
Que fantasiar a própria grandeza. Fazê-la! Sim, fazê-la.
Pare de se iludir.
Hahaha
Hahahahahahaha!
Meu Deus, você é tão iludido.
E pensava que seus versos seriam reconhecidos na posteridade?
Quando morresse? E suas cartas, pomposamente adjetivadas, reconhecidas
Como tesouro?
O que vale é o sonho americano.
A bebida boa, a bebida farta.
As mulheres...
E não, isso não é uma crítica, parvo.
Não é não.
Não estou dizendo que sou assim para caricaturizar um estereótipo.
Não é uma sátira.
Pensou que que era mais um asno corroendo a credibilidade do que você nega?
Negue isto: você será esquecido.
Já negou? Já foi.
Ultraromântico.
Orgulho-me de não falar sobre os sentimentos.
Não gosto quando os poetas se gabam de escrever poemas sobre sentimentos.
Existem coisas mais nobres e belas porque não estão em movimento
E nem comovem e nem esperam a aprovação dos que se comovem
Porque elas guardam em si um sentido menos profundo e mais humano que os sentimentos.
Orgulho-me de não ser aventureiro.
De não ser romântico e não conhecer as flores.
De pisar sobre o tesouro da nossa dita poesia e de ser insensível a ela.
Eu não sei falar sobre os sentimentos e nem sei ler poesia. Tudo o que compreendo são grunhidos e as necessidades básicas do ser humano.
Gosto dos números.
Eles não mentem. Eles não escolhem. São fixos de forma que o dois sempre será o dois
E em sua abstração, em sua imaterialidade, são imutáveis
Eternos.
Não gosto da morte e nem das coisas valorizadas. Gosto do desvalor, da riqueza ociosa, da ignorância, do Brasil imerso no preconceito.
Gosto desses noticiários alienantes, dos aquários e da previsibilidade.
Talvez nunca seja o rebelde, talvez sempre o submisso, o camarada, o fácil.
Talvez nunca saiba falar sobre os sentimentos e talvez nunca me gabe de escrever poesia.
Eu não amo ninguém.
A Flor
No asfalto úmido pelas luzes da cidade
Encontrei uma semente
Esfera estranha e mal cheirosa.
Já esqueci como se escreve sobre isso.
A flor... o que sei sobre ela?
Tenho uma semente, regada pela urina dos cães da cidade...
E um poema? Não sei falar ou escrever.
Talvez acabe me esquecendo de tudo isso
E a jogue para o alto.
Mas vamos... vamos tentar:
A flor cresce ignorada no meio da cidade
E ... e a beleza advém da contradição.
Uma flor, belíssima e efêmera - o poeta!
O poeta? Suas pétalas deslizando na escuridão.
O carbono injetando em sua corola o azul venenoso do céu.
Ah! Ah! Sofro...
Sofro de tocar nessa flor invisível e nascida do silêncio.
O escarro dos motores... o escarro, o vil escarro..
Ai, meus dedos... não toco, não sinto, não cheiro.
É uma semente... e não há o que dizer sobre ela.
Ela cresce, seus espinhos... - e a Musa, afundando sua cabeça no oceano côr de papoulas
Isso! Seus espinhos furtivamente roubam o sangue
O sangue de quem os toca.
Furtivamente a rosa
Que é bela, mata.
?-mina
I
Se eu lhe der o que você quer
Você me dá
Quero? O que eu
Eu não sei o que quero. E se você me dar
Não Sei. Tudo o que sei
É que estou só.
Na minha cabeça Zilhões de moscas
Zilham. Zilhões e zilhões.
E uma teia binária de zeros me zeram.
Zilhões de zeros é zero.
E sempre será.
Então, se sou zero. E tenho zilhões de zeros para lhe dar.
Em troca. Não me dará. Nada. E será justo.
Que eu torne ao nada e ao zero.
II
Sobre a mesa cirúrgica está a Musa.
E eu já vasculhei seus intestinos todos
Fétidas, suas vísceras verdes
Comeram todo o ninho de víboras que crescia em seus pulmões.
Por isso o hálito: ácido e seco.
E os olhos, duas órbitas
Planas como aquele mapa antigo e amarelado debaixo da mesa.
O austro descolore o seio esquerdo
E uma cicatriz, em forma de X,
Delimita em um raio inferior à três centímetros
O tesouro cancerígeno dos seus rins.
Um Céu Amargo
Grávido de arranha-céus
Arranhando azul a garganta
E de torres, espelhos gotejantes de magma,
Destruídos na borda áurea do sol
Mancha, esse céu venal e abrupto,
Os olhos de uma criança que o imita em pleno vôo
A cair para o céu, duro e cinza de granizo
Como uma ave no porto, diante de um mar revolvido pelo grito
Abro os braços para o céu, ele imita, as nuvens:
Pássaros negros carregados de chuva.
Sangram nos buquês e nas marquises de mármore
À forma azul e magra das árvores.
quinta-feira, 30 de abril de 2009
Meus queridos amigos, vocês interpretam muito mal a decadência, o pessimismo. Aliás, entendo que vocês gostem de, em suas palavras, enaltecer o sofrimento, mas acho que estou cansado do modo como vocês fazem parecer o mundo um palco de lágrimas; muito moroso, muito lento, muito submisso. Meus queridos amigos, vocês são demasiadamente fracos para mim. Minha força, ao contrário da de vocês, é maior que a de um deus, e não seria exageradamente hiperbólico comparar-me ao titã Prometeu. Sim, eu roubei a chama, mas ao invés de dá-la aos homens, incendiei o éter e prostrei o próprio Zeus. E vocês? O que fariam delas? Um féretro, uma angústia, um holocausto de velhas recordações.
Vocês são fracos, e eu estou cansado, cansado demais do luto. Também não quero esse otimismo vil e falso. Quero outra coisa, outra que seja mais digna das minhas condições supra-humanas. Não sou exatamente um deus, mas algo semelhante a um animal com status de deus. Sou um animal divino, e se me vissem, amigos, eu lamentaria ter de destroçar-lhes as costelas e beber de seu sangue. Seria aprazível para o meu paladar acostumado ao fel dos seus poemas.
Eu berraria, sim. Urraria. Potente como o trovão, balançaria as copas das árvores e revolveria seus intestinos. Odeio a falsidade e a nobreza. E odiando, assim, também a arte, pergunto a vocês: porque elevam-se pelo sofrimento? Não seria mais insensato e cruel serem os causadores dele? Não estaríamos em condições mais deliciosas sendo os carrascos de nossos carrascos? Eu proponho um novo caminho, este mais cruel e prazeiroso, mas para tanto, meus queridos amigos, será preciso que vocês sirvam de alimento, de alimento para esse caminho, de adubo para essas novas flores venenosas, carnívoras, exóticas e feias. A beleza está na suprema agressividade de seus traços assimétricos, de suas corolas azuis e seus cálices repletos de ungüento. Louvemos o sol que castiga nossa pele e acobreia o fundo dos nossos olhos com a sua chama destrutiva. Eu romperei minhas correntes e ofertarei, pessoalmente, meu rim aos criminosos.
Vocês são fracos, e eu estou cansado, cansado demais do luto. Também não quero esse otimismo vil e falso. Quero outra coisa, outra que seja mais digna das minhas condições supra-humanas. Não sou exatamente um deus, mas algo semelhante a um animal com status de deus. Sou um animal divino, e se me vissem, amigos, eu lamentaria ter de destroçar-lhes as costelas e beber de seu sangue. Seria aprazível para o meu paladar acostumado ao fel dos seus poemas.
Eu berraria, sim. Urraria. Potente como o trovão, balançaria as copas das árvores e revolveria seus intestinos. Odeio a falsidade e a nobreza. E odiando, assim, também a arte, pergunto a vocês: porque elevam-se pelo sofrimento? Não seria mais insensato e cruel serem os causadores dele? Não estaríamos em condições mais deliciosas sendo os carrascos de nossos carrascos? Eu proponho um novo caminho, este mais cruel e prazeiroso, mas para tanto, meus queridos amigos, será preciso que vocês sirvam de alimento, de alimento para esse caminho, de adubo para essas novas flores venenosas, carnívoras, exóticas e feias. A beleza está na suprema agressividade de seus traços assimétricos, de suas corolas azuis e seus cálices repletos de ungüento. Louvemos o sol que castiga nossa pele e acobreia o fundo dos nossos olhos com a sua chama destrutiva. Eu romperei minhas correntes e ofertarei, pessoalmente, meu rim aos criminosos.
terça-feira, 28 de abril de 2009
Vaso Chinês
Em útero de porcelana
Nasce, da semente silenciosa
Uma flor, as pétalas vibrando como o vento
A nota azul e murcha que lambe os cata-ventos
Um raio vermelho desaba, mutilando a verde sombra
Que rasgava o céu plástico de fôlhas.
Um outono induzido arranca com mãos búdicas
O ouro ardente dos olhos sonolentos.
O Vaso Chinês
Teu útero, frio, é liso como a porcelana
E eu o lambo, muito devagar.
Quero que dentro dele fecunde meus sonhos e meus pesadelos
E se torne a flor artificial que carrego nas mãos.
É o meu coração, esta belíssima flôr.
O Vaso Chinês
Abaulado esquife
Tua mão sobre o peito inchado de ar
Sobe e desce; flores parecem surgir na carne viva
Do teu lábio inferior, vermelho, vermelho.
A luz fria da manhã procura o seio
Enquanto um rio de seda corre os ombros
Quebrando na orla do teu joelho.
Em útero de porcelana
Nasce, da semente silenciosa
Uma flor, as pétalas vibrando como o vento
A nota azul e murcha que lambe os cata-ventos
Um raio vermelho desaba, mutilando a verde sombra
Que rasgava o céu plástico de fôlhas.
Um outono induzido arranca com mãos búdicas
O ouro ardente dos olhos sonolentos.
O Vaso Chinês
Teu útero, frio, é liso como a porcelana
E eu o lambo, muito devagar.
Quero que dentro dele fecunde meus sonhos e meus pesadelos
E se torne a flor artificial que carrego nas mãos.
É o meu coração, esta belíssima flôr.
O Vaso Chinês
Abaulado esquife
Tua mão sobre o peito inchado de ar
Sobe e desce; flores parecem surgir na carne viva
Do teu lábio inferior, vermelho, vermelho.
A luz fria da manhã procura o seio
Enquanto um rio de seda corre os ombros
Quebrando na orla do teu joelho.
quarta-feira, 8 de abril de 2009
Os blogs tendem a decair quando seus donos começam a postar textos prontos e trechos ou resenhas de filmes antigos. Isso é tão banal... mas mesmo assim, talvez por falta de cérebro (ou preguiça de usá-lo), vou deixar alguma coisa que talvez não seja do gosto de vocês:
Ouçamos a confissão de um Companheiro do inferno: "Ó divino Esposo, meu Senhor, não repilas a confissão da mais triste de tuas servas. Estou perdida. Estou bêbada. Estou impura. Que vida!" "Perdão, divino Senhor, perdão! Ah! perdão! Quantas lágrimas! E quantas lágrimas ainda espero!" "Mais tarde, conhecerei o divino Esposo! Nasci submissa a Ele! - O outro pode bater-me agora!" "No momento, estou no fundo do mundo, ó minhas amigas!.. não, não sois minhas amigas... Jamais delírios nem torturas semelhantes... É idiota:" "Ah! sofro, grito. Sofro de verdade. Porém tudo me é permitido, carregada de desprezo dos mais desprezíveis corações". "Enfim, façamos esta confidência, com a reserva de repeti-la vinte vezes ainda, - tão morta, tão insignificante!" "Sou escrava do Esposo infernal, aquele que perdeu as virgens loucas. É esse demônio mesmo. Não é um espectro, não é um fantasma, Mas a mim, que perdi a sabedoria, que estou condenada e morta no mundo, - não me matarão! Como vo-lo descrever! Já nem mesmo sei falar. Estou de luto, choro, tenho medo. Um pouco de ar, Senhor, se assim o desejas!" "Estou viúva...- Estava viúva...- Sim, fui muito honesta antigamente e não nasci para tornar-me esqueleto!... - Ele era quase uma criança... Seduziram-me as suas misteriosas delicadezas. Esqueci todo o meu dever humano para segui-lo. Que vida! A verdadeira vida está ausente. Não estamos no mundo. Vou aonde vai ele, é preciso. E com freqüência ele se encoleriza contra mim, contra mim, a pobre alma. O Demônio! - É um demônio, vós o sabeis, não é um homem".
"Ele diz: "Não amo as mulheres: sabemos que o amor está por ser reinventado. Já não podem desejar senão uma posição segura. Alcançada, o coração e a beleza são postos à margem: não resta senão álgido desdém, o alimento do casamento, hoje, Ou então vejo mulheres, com os sinais da felicidade, mulheres das quais eu poderia fazer boas amigas, devoradas por brutos desde o primeiro momento sensíveis como fogueiras"... "Ouço-o fazer da infâmia uma glória, da crueldade um encanto". Eu sou da raça antiga: meus pais eram escandinavos: traspassavam-se as costelas, bebiam o próprio sangue. - Ferirei todo o meu corpo, tatuar-me-ei, quero ser horrível como um mongol: verás, urrarei em plena rua. Quero ficar louco de raiva. Nunca me mostres jóias: arrastar-me-ia e me contorceria sobre a relva. Minha riqueza, quisera-a toda enodoada de sangue.
Nunca hei de trabalhar..." Certas noites, seu demônio apoderando-se de mim, nós rodávamos, eu lutava com ele! - Às noites, freqüentemente bêbado, escondia-se nas ruas ou nas casas para assustar-me mortalmente. - "Cortar-me-ão na verdade o pescoço; será asqueroso". Oh! esses dias em que ele quer caminhar com aspecto de crime!" "Algumas vezes fala, numa espécie de patoá enternecido que traz o arrependimento, dos infelizes que certamente existem, dos trabalhos penosos, das partidas que despedaçam os corações. Nas tascas em que nos embriagávamos, punha-se a chorar ao pensar nos que nos rodeiam, rebanho da miséria. Erguia os bêbados nas negras ruas. Tinha piedade de uma mãe perversa para com os filhinhos. - Portava-se com uma graça de menina, a caminho do catecismo. - Afetava tudo saber: comércio, arte, medicina. - Eu o seguia, era preciso! "Eu via toda a decoração de que, em espírito, ele se rodeava; vestidos, panos, móveis: eu lhe emprestava armas, outro rosto. Eu via tudo o que lhe interessava, como ele quisera criá-lo para si próprio. Quando me parecia que seu espírito estava inerte, eu o acompanha, por mim mesmo, em ações estranhas e complicadas, longe, boas ou más: estava perfeitamente segura de que nunca penetraria em seus mundo. Ao lado de seu corpo amado adormecido, quantas horas da noite não velei, perguntando-me porque tanto porfiava ele em evadir-se da realidade. Jamais homem algum fez tal voto. Advertia-me, - sem temer por ele - de que bem podia ser um grave perigo para a sociedade. - Acaso possuirá segredos para transformar a vida? Não, não faz mais que procurá-los, respondia a mim mesmo. Sua caridade está enfeitiçada e retém-me prisioneira. Nenhuma outra alma a não ser a minha teria bastante força - força de desespero! - para suportá-la, para ser protegida e amada por ele. Além disso, não o imaginava com outra alma: vê-se seu Anjo, nunca o Anjo de nenhum outro, creio eu. Eu habitava em sua alma como em um palácio que se desocupou para não se ver nele uma pessoa menos nobre que vós: eis tudo. Ai! eu dependia por completo dele. Mas, que queria ele de minha existência opaca e covarde? Não me tornava melhor, se não me fazia morrer! Tristemente despeitada, eu lhe disse algumas vezes: "Compreendo-te". Ele dava de ombros. "Assim, como renovasse sem cessar meu sofrimento, e sentindo-me a meus próprios olhos ainda mais perdida, - como diante de todos os olhos que quisessem contemplar-me se não estivesse condenada para sempre ao esquecimento de todos - aumentava cada vez mais minha fome de sua bondade. Seus beijos e abraços eram um céu, um sombrio céu no qual eu entrava, e no qual desejaria que me abandonasse, pobre, surda, muda, cega. Eu começava a habituar-me. Considerava que éramos duas crianças boas; livres para passear no Paraíso da tristeza. Compreendíamo-nos. Comovidos, trabalhávamos juntos. Mas, após uma penetrante carícia, ele observava: Quando eu me for, que estranho te parecerá tudo porque tens passado. Quando já não tenhas meus braços em torno de teu pescoço, mas meu coração para reclinar-te, nem esta boca sobre teus olhos. Porque um dia terei que partir para muito longe. Além disso, tenho que ajudar a outros: é meu dever. Ainda que isso não seja lá muito agradável... amada criatura". Imediatamente eu o imaginava distante, e me sentia presa de vertigem, relegada à mais espantosa das sombras: a morte. Obrigava-o prometer que não me abandonaria. Vinte vezes me fez essa promessa de amante. Era tão frívolo quanto eu, quando lhe dizia: "Compreendo-te". "Ah! Jamais tive ciúmes dele. Não me abandonarás, creio. Que faria? Não possui conhecimentos, nunca trabalhará. Quer viver sonâmbulo. Bastaria a sua bondade e caridade para dar-lhe direito no mundo real? Por um instante, esqueço o estado lastimoso em que caí: ele far-me-á forte, viajaremos, caçaremos nos desertos, dormiremos sobre o empedrado de cidades desconhecidas, sem auxílios, sem queixa. Ou ao despertar, as leis e os costumes terão mudado, - graças a seu mágico poder; ou o mundo, permanecendo igual, abandonar-me-á a meus desejos, a minhas alegrias, a minhas indolências. Oh! Dar-me-ás a vida de aventuras que existe nos livros infantis a fim de me recompensar de quanto tenho sofrido? Não posso. Ignoro meu ideal. Declara-me que sente remorsos, que tem esperanças: isto não deve importar-me. Fala com Deus? Talvez devesse eu mesma dirigir-me a Deus. Estou no mais profundo abismo, e não sei mais rezar". "Se me explicasse suas tristezas, compreende-las-ia melhor que suas zombarias? Ele me ataca, durante horas a fio me humilha por tudo que me tem comovido no mundo, e fica furioso se me ponho a chorar". “- Estás vendo este elegante jovem que entra numa bela e tranqüila residência? Chama-se Duval, Dufor, Armando, Maurício, que sei eu? Uma mulher decidiu-se a amar este perverso idiota: está morta; certo é agora uma santa, no céu. Causarás a minha morte como ele causou a dessa mulher. É nosso destino, o dos corações caridosos..," Ai! dias havia em que os homens afiguravam-se-lhe joguetes de delírios grotescos; punham-se a rir horrivelmente, por muito tempo.
- Depois recuperava seus modos de jovem mãe, de irmã mais velha. Se fosse menos selvagem, estaríamos salvos! Mas também sua doçura é mortal. Estou submetida a ele. - Ah! Estou louca!". "Um dia, talvez, desaparecerá maravilhosamente; mas preciso saber se voará para algum céu, para que eu veja, ainda que por um pouco, a assunção de meu amiguinho". Que casal risível!
Ouçamos a confissão de um Companheiro do inferno: "Ó divino Esposo, meu Senhor, não repilas a confissão da mais triste de tuas servas. Estou perdida. Estou bêbada. Estou impura. Que vida!" "Perdão, divino Senhor, perdão! Ah! perdão! Quantas lágrimas! E quantas lágrimas ainda espero!" "Mais tarde, conhecerei o divino Esposo! Nasci submissa a Ele! - O outro pode bater-me agora!" "No momento, estou no fundo do mundo, ó minhas amigas!.. não, não sois minhas amigas... Jamais delírios nem torturas semelhantes... É idiota:" "Ah! sofro, grito. Sofro de verdade. Porém tudo me é permitido, carregada de desprezo dos mais desprezíveis corações". "Enfim, façamos esta confidência, com a reserva de repeti-la vinte vezes ainda, - tão morta, tão insignificante!" "Sou escrava do Esposo infernal, aquele que perdeu as virgens loucas. É esse demônio mesmo. Não é um espectro, não é um fantasma, Mas a mim, que perdi a sabedoria, que estou condenada e morta no mundo, - não me matarão! Como vo-lo descrever! Já nem mesmo sei falar. Estou de luto, choro, tenho medo. Um pouco de ar, Senhor, se assim o desejas!" "Estou viúva...- Estava viúva...- Sim, fui muito honesta antigamente e não nasci para tornar-me esqueleto!... - Ele era quase uma criança... Seduziram-me as suas misteriosas delicadezas. Esqueci todo o meu dever humano para segui-lo. Que vida! A verdadeira vida está ausente. Não estamos no mundo. Vou aonde vai ele, é preciso. E com freqüência ele se encoleriza contra mim, contra mim, a pobre alma. O Demônio! - É um demônio, vós o sabeis, não é um homem".
"Ele diz: "Não amo as mulheres: sabemos que o amor está por ser reinventado. Já não podem desejar senão uma posição segura. Alcançada, o coração e a beleza são postos à margem: não resta senão álgido desdém, o alimento do casamento, hoje, Ou então vejo mulheres, com os sinais da felicidade, mulheres das quais eu poderia fazer boas amigas, devoradas por brutos desde o primeiro momento sensíveis como fogueiras"... "Ouço-o fazer da infâmia uma glória, da crueldade um encanto". Eu sou da raça antiga: meus pais eram escandinavos: traspassavam-se as costelas, bebiam o próprio sangue. - Ferirei todo o meu corpo, tatuar-me-ei, quero ser horrível como um mongol: verás, urrarei em plena rua. Quero ficar louco de raiva. Nunca me mostres jóias: arrastar-me-ia e me contorceria sobre a relva. Minha riqueza, quisera-a toda enodoada de sangue.
Nunca hei de trabalhar..." Certas noites, seu demônio apoderando-se de mim, nós rodávamos, eu lutava com ele! - Às noites, freqüentemente bêbado, escondia-se nas ruas ou nas casas para assustar-me mortalmente. - "Cortar-me-ão na verdade o pescoço; será asqueroso". Oh! esses dias em que ele quer caminhar com aspecto de crime!" "Algumas vezes fala, numa espécie de patoá enternecido que traz o arrependimento, dos infelizes que certamente existem, dos trabalhos penosos, das partidas que despedaçam os corações. Nas tascas em que nos embriagávamos, punha-se a chorar ao pensar nos que nos rodeiam, rebanho da miséria. Erguia os bêbados nas negras ruas. Tinha piedade de uma mãe perversa para com os filhinhos. - Portava-se com uma graça de menina, a caminho do catecismo. - Afetava tudo saber: comércio, arte, medicina. - Eu o seguia, era preciso! "Eu via toda a decoração de que, em espírito, ele se rodeava; vestidos, panos, móveis: eu lhe emprestava armas, outro rosto. Eu via tudo o que lhe interessava, como ele quisera criá-lo para si próprio. Quando me parecia que seu espírito estava inerte, eu o acompanha, por mim mesmo, em ações estranhas e complicadas, longe, boas ou más: estava perfeitamente segura de que nunca penetraria em seus mundo. Ao lado de seu corpo amado adormecido, quantas horas da noite não velei, perguntando-me porque tanto porfiava ele em evadir-se da realidade. Jamais homem algum fez tal voto. Advertia-me, - sem temer por ele - de que bem podia ser um grave perigo para a sociedade. - Acaso possuirá segredos para transformar a vida? Não, não faz mais que procurá-los, respondia a mim mesmo. Sua caridade está enfeitiçada e retém-me prisioneira. Nenhuma outra alma a não ser a minha teria bastante força - força de desespero! - para suportá-la, para ser protegida e amada por ele. Além disso, não o imaginava com outra alma: vê-se seu Anjo, nunca o Anjo de nenhum outro, creio eu. Eu habitava em sua alma como em um palácio que se desocupou para não se ver nele uma pessoa menos nobre que vós: eis tudo. Ai! eu dependia por completo dele. Mas, que queria ele de minha existência opaca e covarde? Não me tornava melhor, se não me fazia morrer! Tristemente despeitada, eu lhe disse algumas vezes: "Compreendo-te". Ele dava de ombros. "Assim, como renovasse sem cessar meu sofrimento, e sentindo-me a meus próprios olhos ainda mais perdida, - como diante de todos os olhos que quisessem contemplar-me se não estivesse condenada para sempre ao esquecimento de todos - aumentava cada vez mais minha fome de sua bondade. Seus beijos e abraços eram um céu, um sombrio céu no qual eu entrava, e no qual desejaria que me abandonasse, pobre, surda, muda, cega. Eu começava a habituar-me. Considerava que éramos duas crianças boas; livres para passear no Paraíso da tristeza. Compreendíamo-nos. Comovidos, trabalhávamos juntos. Mas, após uma penetrante carícia, ele observava: Quando eu me for, que estranho te parecerá tudo porque tens passado. Quando já não tenhas meus braços em torno de teu pescoço, mas meu coração para reclinar-te, nem esta boca sobre teus olhos. Porque um dia terei que partir para muito longe. Além disso, tenho que ajudar a outros: é meu dever. Ainda que isso não seja lá muito agradável... amada criatura". Imediatamente eu o imaginava distante, e me sentia presa de vertigem, relegada à mais espantosa das sombras: a morte. Obrigava-o prometer que não me abandonaria. Vinte vezes me fez essa promessa de amante. Era tão frívolo quanto eu, quando lhe dizia: "Compreendo-te". "Ah! Jamais tive ciúmes dele. Não me abandonarás, creio. Que faria? Não possui conhecimentos, nunca trabalhará. Quer viver sonâmbulo. Bastaria a sua bondade e caridade para dar-lhe direito no mundo real? Por um instante, esqueço o estado lastimoso em que caí: ele far-me-á forte, viajaremos, caçaremos nos desertos, dormiremos sobre o empedrado de cidades desconhecidas, sem auxílios, sem queixa. Ou ao despertar, as leis e os costumes terão mudado, - graças a seu mágico poder; ou o mundo, permanecendo igual, abandonar-me-á a meus desejos, a minhas alegrias, a minhas indolências. Oh! Dar-me-ás a vida de aventuras que existe nos livros infantis a fim de me recompensar de quanto tenho sofrido? Não posso. Ignoro meu ideal. Declara-me que sente remorsos, que tem esperanças: isto não deve importar-me. Fala com Deus? Talvez devesse eu mesma dirigir-me a Deus. Estou no mais profundo abismo, e não sei mais rezar". "Se me explicasse suas tristezas, compreende-las-ia melhor que suas zombarias? Ele me ataca, durante horas a fio me humilha por tudo que me tem comovido no mundo, e fica furioso se me ponho a chorar". “- Estás vendo este elegante jovem que entra numa bela e tranqüila residência? Chama-se Duval, Dufor, Armando, Maurício, que sei eu? Uma mulher decidiu-se a amar este perverso idiota: está morta; certo é agora uma santa, no céu. Causarás a minha morte como ele causou a dessa mulher. É nosso destino, o dos corações caridosos..," Ai! dias havia em que os homens afiguravam-se-lhe joguetes de delírios grotescos; punham-se a rir horrivelmente, por muito tempo.
- Depois recuperava seus modos de jovem mãe, de irmã mais velha. Se fosse menos selvagem, estaríamos salvos! Mas também sua doçura é mortal. Estou submetida a ele. - Ah! Estou louca!". "Um dia, talvez, desaparecerá maravilhosamente; mas preciso saber se voará para algum céu, para que eu veja, ainda que por um pouco, a assunção de meu amiguinho". Que casal risível!
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