terça-feira, 30 de agosto de 2011

Eu

Atrás da porta do meu quarto,
Que nunca está completamente fechada por uma questão de hábito,
Há alguém
Me esperando.
É sempre pela noite que algo me espera (nunca pelo dia).

Deito-me e fico a encarar
Olhos invisíveis
Sonhando
de pé.
É sempre alguma coisa, e está sempre de pé, respirando
Calmamente. Não há qualquer vestígio
De ansiedade.

O que é que me espera, eu não sei. Sei que está lá,
Em silêncio,
Estudando-me como um animal de alguma experiência obscura.
Se me quer bem, se me quer mal...
Eu não sei de muita coisa.

O que me angustia,
é saber que há algo a ser esperado. Se de mim,
Ou se eu mesmo,
Se meu despertar ou adormecer...
Que sei eu dessas coisas?
Sei que estive esperando pela espera de alguém
Ou de alguma coisa.

Se de mim ou de outro...
E se eu for outro e estiver esperando por mim?
E se...
Nunca fecho completamente a porta do meu quarto,
E deixo que o vento de uma dúvida me seqüestre.
Se me levar para onde, para longe...
Que me importa?

Desde que eu vá para algum lugar.

. . .

Súbito
Súbito acordo.
Súbito.
Uma centelha explode em minha testa.
Têmpora,

Cabelos escuros,
Tudo
Elétrico,
Tudo obra de alguma luz
Que desfaz sombras
Como lã.

E se estive segurando um novelo,
Por um labirinto de
mentiras,
Sim, mentiras,...
Ainda estou sendo guiado?
Ainda...?
Ainda. Ainda estou aqui.
Mas que...?

Que lugar é este?
E que cama, que lençóis, que cheiro,
Que brisa é essa que invade
o espaço?
Não é minha.
Estas roupas...

Com que semelhante surpresa
Eu poderia experimentar
A textura do desconhecimento?
O espelho nunca
Nunca me refletiu antes?
Os traços deste rosto não existem.
É de um outro rosto
E com horror reconheço que não estou.

Onde estive?
Minha alma, se é que existe alma,
esteve sempre aqui?
Não recordo de ter deitado minha cabeça no travesseiro.
Parece que acordei e nasci.
Parece que morri.

. . .

Vou-me embora para longe,
Vou-me embora para mim.
Se chegarei, não sei.
Não sei de nada.
Só sei
Que não estou aqui.

Se estivesse, não sentiria
Essa angústia nervosa de sair à rua com pés de outros homens
Embaixo dos meus.
Sei que são homens decentes,
E que todos eles têm pés muito particulares.

Os meus não deixam rastros.
Meu vestígio é a indiferença.
Teu coração já foi bombardeado por tantas palavras confusas
E agressivas... Nem reconheço em tê-las dito.
Talvez não tenha, mas isso são outros quinhentos.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sobe, pequenina,

A aranha,

Desfiando o silêncio pleno e satisfatório

de uma vida.

De uma vida inteira.


Negra,

Como uma conta

de rosário,

A oração

já é uma cadeia de palavras vazias, vazias,


e a aranha,

Em meu coração

Prepara sua armadilha.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Eu vou estar para
Sempre
Te esperando,
Na ponte
Onde ninguém
Passa,
Onde apenas nossas
sombras
descansam
o silêncio de nossas
almas
em nossas mãos
dadas
e calmas.

As águas
Desmancham agosto,
e há um pouco
de presente
de aniversario
nisso
tudo;
Meu beijo
No teu coração
É uma carícia
A ser ouvida
Com o espírito.
Nossos dedos
Promessa
Que não quebra

nem à margem dos rios
nem à margem
dos nossos
mares,
Nosso Sargaços,
oceano
onde a morte
coroa a vida
dos nossos destinos,
não entrelaçados
por algum
artifício: mas unidos,
siameses
como dois irmãos
separados apenas
pela morte,
ou talvez
não.
Queres aprender a viver? Comece a dizer sim.
Não sejamos nós também filhos de um
longo século de negações.
Chega de lutar contra a vida,
Como se fôssemos um corpo hostil em um ambiente hostil.
Não nos privemos da experiência. Digamos sim.
Não apenas às oportunidades,
Mas ao que não podemos mudar.
Saibamos não nos curvármos à impotência
Do que já foi.
O Passado, o cemitério onde não enterramos nossos mortos
o bastante fundo;
De sua vegetação pútrida e de sua terra úmida
Ainda exalam os miasmas dos nossos corações amargos.
Esqueçamos!
Esqueçamos os mortos!
Enterrem fundo os seus mortos
Ou aprendam a bailar com eles.
Deixem-nos para trás.
Perdoem-nos. Perdoem o que morreu. Perdoem-se,
Perdoem-se por ter deixado morrer.
Nada permanece,
Então nada poderiam fazer
Que a natureza já não tinha ela mesma planejado de antemão.
Realidade, efemeridade...
Sejamos transitórios como as águas dos rios,
Sejamos violentos como as águas dos rios,
E desçamos pela vida, com violência e amor.
Esqueça o passado,
Você não precisa dele.
Esqueça as ofensas, esqueça tudo. Esqueça as zombarias,
As humilhações. Você será grande,
Porque esse é o instante da tua grandeza,
Tu que sabes esquecer, que sabes rir do que foi
E do que não tornará. Tudo será uma bela história, uma narrativa
Para ser gozada à chama de uma fogueira. Toda a tua
Vida, versos inimitáveis de um poema,
Gole único de uma taça de bebida fresca.
Esqueça o que passou
E não tornes para traz.
Não te angustie com o porvir,
Não tropece sobre os próprios pés. Ama o instante,
Porque é nele que tu te tornas real.
A morte é a sombra
deste lençol
Com que cubro todos os móveis
e os móveis em que guardei
tudo quanto retirei
e pus em sacolas escuras
e lancei para qualquer outro lugar,
num abandono sobre rodas,
para qualquer túmulo
de céu aberto,

Sei lá. Ainda me vejo correndo
Por estes corredores; cigarras mortas
marcam meus passos de pré-adolescente;
Eu ainda me lembro das cores,
do papel de parede, do lamento
da vizinha e do cachorro da vizinha,
e da campainha,
e de seu estrídulo de bronze grave,
e a maçaneta pesada como um
cadáver amarelo...

Agora é tudo branco e silencioso e sacramental
e coberto de panos. Meu passado teve seu
rigor mortis.
Já passou o prazo de ter prazos.
O tempo me devorou, querida,
E me cuspiu para outro instante.
Sou resto
Ou excesso. Alguma coisa entre essas duas.
E a morte,
Ainda me acontece, como um golpe surdo
No meio do mar,
E as ondas, ainda perpétuas,
Abrindo seus longos braços
Sem vida,
Na lentidão das nossas, como uma arraia
flutuando
e devorando tudo quanto já fomos.

Não podemos mudar
o que foi.
E esses panos que deito
Para um sono quase eterno (até que o
mofo se lhes corroa) são a prova
de que precisava.
Para tudo olhamos com saudade,
E para toda realidade
esperamos um fim. A cada tempo, estático.
Olhamos para traz, e lançamos
um olhar repleto de movimento,
de movimento desastrado entre ídolos quietos.
E com nossas mãos
imaginárias, tentamos demover
Todas as peças que não demovemos. Mas é tarde.
É tarde para mover peças,
É tarde para que engrenagens mortas
Girem o organismo das coisas.
E se tivessem girado? Teriam girado no sentido correto?
Sempre tenho esse desejo,
esse desejo e esse crime,
De mudar o que não foi,
e torná-lo.
Mas que panos cubram minhas palavras também,
E o SIM, na caligrafia de minha avó enterrada,
Zombe de minhas palavras grosseiras contra
a vida.
A natureza me espera,
E eu não tenho mais tempo algum de consertar as coisas.
Que eu seja também coberto,
E descoberto lá na frente;
Que as caixas me segurem
Enquanto me puderem segurar: pois salto ao mundo
Como um ladrão de túmulos,
Tirando, pela mão,
todos os mortos a dançar.
Espaço,
Distância,

A estrada, à noite, fica cheia dessa luz estranha
e congelada.
Parece que a noite também congelou
Em cristais bem
Finos
Finos e reluzentes,
Como centelhas minúsculas
de estrelas
Oblíquas.

E se tudo acabasse agora?
No fundo deste copo sem Deus
Eu vejo um sorriso
Vazio e desesperado.
Já não tenho a chama
A chama
A antiga chama...

Algo me chama, enquanto dirijo ao teu lado:
Acho que é aquele lampejo
Amargo
De verdade.
E na verdade, contei tantas mentiras,
Desenhei tantas ilusões,
Que já me perdi nas contas,
Que também já sou ilusão.

Os bons livros são mentidos
A torto e a direito. Mas minhas
Páginas já sumiram no vento
Escuro e sem estrelas.
A tinta está toda borrada na minha língua afiada
E amarga,
E estúpida.

E eu sou esta roda
Sem destino
Girando, girando, girando pela noite,
Devorando milhas
E curvas onde escorrega o mais tênue silêncio.
Eu não sei,
Não sei para onde fujo. Gravidade
Me trazendo para dentro,
Ou me expulsando
Para longe das órbitas dos teus olhos.

E eu deixo,
E eu deixo que tudo se acabe,
Desintegrando
Como a neve que nunca vimos,
Como a luz que nunca sentimos
Sobre nossas cabeças
E os nossos corações revoltados,
Ás vezes sem porquê.

E eu deixo,
Que a erosão das chuvas
Dissolva a estrada em que percorro
E giro
Meus sonhos falecidos;
E eu espero,
Que um acidente
Me traga de volta à vida
Que nunca vivi,
E que um leve gosto de realidade
Seja o meu ponto de impacto
Para finalmente
Voar em direção a mim.



segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Minhas mãos (olho para baixo); entre elas, outra. Outra mão. Outra mãozinha estúpida, nojenta. O quarto: negro, profundo. Mão branca entre minhas mãos brancas. Como um brinquedo moldado em plástico, mas crivado de uma humanidade úmida, sebosa. Tinha dedos frágeis, que se contraíam a cada apertão que eu lhes dava. Talvez eu quisesse estrangular aquelas cabecinhas com unhas moles, aqueles cerebrozinhos brancos, irritantemente brancos. Eu sempre quis estrangular uma criança muda. E não era que nada se dizia? Nada se dizia. O silêncio era aquele pretume disforme, vaporoso. Havia água no ar, e janelas que deixavam aquela matiz de carvão digesto escoar para dentro. Repentinamente, uma mão estava entre as minhas. Plástica e estúpida. Mão branca entre minhas mãos negras. Cortada, como que por grafites enviesados, manchando aquela pureza elefântica, aquela lentidão pálida e doentia que se esgueirava entre minhas palmas. E além daquela mão de deus algum, de santo algum, nada que divisasse: um cotovelo, talvez. – que cotovelo? De quem? Não importa. Um cotovelo cindido por lâmina de alguma sombra, por uma cortina de fantasmas todos calados, todos em postura grave e vertical. – cotovelo, riscado cotovelo, e antebraço, sem veias: a vida ali era discreta e quieta. A perturbação era apenas a minha, escorregadia. Uma perturbação sem porquê. Um aperto misterioso em meus pulmões; minha respiraçãozinha, minha respiraçãozinha débil, esgoelada, soluçante... Por sorte de alguma substância eu sentia meus ossos comprimindo-se; a respiraçãozinha, os pulmões jovens, rosados, como balões vazios, subindo ou descendo; o teto, o teto descendo. Eu sentia as dimensões surdas daquele lugar, próximas, muito próximas; as linhas, a geometria daquele sofrimento enigmático, beijando meu rosto de algodão manchado. O cálculo era preciso. O braço era de uma anatomia perfeita. Eu não era nada, então. Era aquele estímulo, aquelas mãos, aquele pensamento engaiolado, em disparate, debatendo-se contra as barras (e a ilusão, e eu sei que era ilusão, de que o teto baixava e subia); eu era o teu pássaro. E o teu pássaro era alguma coisa ali, estática, longe do futuro e do... Qual! Isso não importa, criaturinha. Eu sequer te vejo. Tu, sem olhos. Tu, sem cabeça ou peito. Tórax, onde? O vazio perscrutável de todas as minhas idéias loucas de que tu era digno, digno. O abismo, a cama. Agora vejo as barras da tua prisão, tua gaiola de ossos de madeira, onde debatiam-se tuas preocupações, tua angústia nervosa e essencial. A cama de mogno, o travesseiro. Nada descansa. Eu parado. De pé. Em velório? Nada morre. Tudo subsiste aqui dentro, como uma água de poço, escura e lodosa; um abcesso, um coágulo misterioso. Aos poucos os teus pés, os teus malditos pés solitário. Cortes de alguma sabedoria cirúrgica, pois eram cirúrgicos os teus pés, duas botas de algum ser humano desprovido de pés. A pele inerte, a pele completamente inerte e parada, como o ar. Um relógio de pulso, estirado no meio; teu cérebro tinha suas engrenagens, seus segundos perdidos, suas horas esperadas. – Agora lembro que vivias correndo de qualquer coisa, e este relógio, de engrenagens soltas, polvilhando o lençol liso com seus fulgores prateados, seus espelhinhos de horror e loucura rodopiantes. E eu, segurando a mão, a mão escura e invisível. Os dedos são retângulos. O braço é retângulo. Tudo à frente se disfarça de nada. Meu braço, esticado como uma cobra ou uma vara de madeira. Eu olho. Toco o alarme. Nada. Nem alarme, nem botão. Meu dedo afunda em qualquer coisa. Meu braço dói. Por que esticado entre aquelas mãos horríveis por tanto tempo? Sentia-a me apertando, me afogando em uma carícia venenosa. Eu já estive aqui antes. E eu espero, espero que o tempo passe; meus pés esticados; minhas mãos esticadas. Estou em alguma dimensão estranha, sem ser sono ou realidade. Hostilidade, sim. Hostilidade a tudo, mas ainda... ainda que pronto para soltar aquele organismo nervoso, ainda assim... mas ainda, ainda que pronto para soltar aquele... mas ainda... ainda que sim, ainda que pronto para aquele organismo me soltar de novo, eu me agarro como a um objeto em pleno mar, e pleno mar é mar em meus ossos, em meu mundo ósseo, em minha dimensão paraplégica, em pleno mar e mar e braços e mar, fúria densa, corpo de água escura revolta, e aquela mão, aquela mão surgindo das vagas e apertando as minhas com um amor soberano, estrelar. Ela deseja me puxar, para além de seu espelho salgado; mas eu não quero, largar ou mergulhar naquele cristal ardente; eu quero ficar aqui, com as minhas coisas, as minhas coisinhas preciosas, os meus ódios e as minhas paixões torpes. E o pássaro, que eu vi desferir o vôo no infinito do mar, desapareceu, roubando minha sombra, minha linda sombra, para sempre; em seu bico, ó diabos, em seu bico ele levou um ramo de mim e o perdeu entre as montanhas golfejantes de escuridão profunda e aquática. E o pássaro, que eu vi desferir o vôo infinito dentro de mim, ele perdeu minha sombra e levou minha paixão torpe e vazia para a espuma e além dessa...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Não! Eu nunca fui nada disso,
Disto aqui.
Nunca estive por cima, ou por baixo...
Nunca.
Sempre à meia distância, de tudo.
Sempre preparado para dar no pé.
Porque é assim que eu sou?
Porque é assim que eu sou, talvez.
Ansioso para dar no pé.
Angustiado, ferido.
Ferido? Pelo quê, diabos!? Pelo quê? Eu não sei.
Talvez pela vida. Talvez. Provável que não. Provável que a vida
Nunca tenha me ferido. Provável que eu finja que tenha me ferido
Pela vida. As pessoas estão na vida. As pessoas...
Que me importam as pessoas?
A liberdade que eu aspiro é límpida como os rochedos.
Mas não esteja eu me ferindo nos rochedos?
A minha liberdade é a minha prisão.
Essa falsa sensação de que posso escapar.
Minha poesia - e nem sei por que diabos a chamo assim -
Tem sido isso a vida toda: derrota? vitória? ignorância.
Ignorância do que passa por mim. Por mim, eu digo! Mas há
Tu.
Tu aqui.
E eu te olho, com curiosidade.
E me procuro.
Não há o que encontrar.
Não há porque eu me aproximar demais
E ser engolido pelo teu mundo.
Até porque eu nada poderia oferecer
Já que perdi o meu.
Quem eu sou? Vou lá saber! Qualquer coisa.
Qualquer coisa que queira.
Qualquer coisa que não queira.
Acho que só quis te machucar
Para que você se parecesse comigo.
Machucado! Eu? Bobagens! Eu sou forte, criança.
Sou um touro. Brinque comigo, eu não me importo.
Estou aqui apenas pelo jogo de me perder.
Em ti.
Me perder em ti.
E me reencontrar a mim...
Ah, que falo? Tolice de poeta - e ainda ouso me considerar um!
Nunca fez sentido isso tudo.
Nunca fez sentido me perder porque nunca me tive.
Nunca me tive.
Mas atrás do que corro?
Para não ver o quê que fecho os olhos, assim, com força? O mundo
Me assusta. Mas há mundo? Há mundo que me assuste? O teu,
O teu mundo é perigoso. Perigoso para alguém que vai embora,
Sem a pretensão de estar em mundo algum.
Perigoso porque sinto saudade
De ter chão batido e estrada,
De ter palavra escrita e bebida quente derramando pelo meu beiço estúpido.
Se fecho os olhos, desce um lapso de negro profundo e criminoso
Sobre o meu mundo. Eu só quero esquecer
Que um dia esqueci de algo importante.
Que perdi? Eu não faço idéia! Eu não faço idéia do que perdi,
Se é que tive,
Se é que tive para perder. Sou um angustiado
Por ter coisas para perder.
Só assim consigo pensar
Que algum dia tive algo
Algo que pudesse chamar de eu.

Eu me rendo, entende!? Me rendo. Me rendo a ti,
e a todos. Eu não sou tudo aquilo que pensava ser.
Não sou metade de ti, que dirá alguma coisa?
Minhas lágrimas pelo preço das tuas.
Sou o espelho insensível
Desafiando o rancor nos teus olhos.
Eu sempre fui muito sensível,
Sempre tive muita raiva dos teus grandes olhos.
Eu rezei, é certo, rezei muito
Para ser real.
Mas eu não sou.
E você sabe disso, lá no fundo,
Que eu não sou real merda nenhuma.
Eu quis ver uma realidade brilhante,
Eu quis ver uma realidade escura,
Mas o cinza da questão é todo o ponto final
De como as coisas são: abrupto e simpático.
Realmente simpático.
Eu não aceito! Eu não aceito! Eu não aceito
Nada do que me dizes.
Eu sou real! Eu juro! Desesperadamente real.
Talvez surreal.
Talvez duplamente real. E se for? Qual o problema?
É realidade demais para um só.
É mundo demais para caminhar.
Mas não há retorno possível no vazio,
Apenas o silêncio invisível
Das minhas palavras improvisadas, do meu discurso arrogante.
Sim, pelo silêncio eu te conquistei,
E em silêncio te sepulto, anjo em silêncio.
A lua caminha sob tuas asas,
E eu, enfim, te arrebentei como mereceste,
Por ter me perdido em teu caminho
Sem ida ou volta.
Por ter me enganado, Deus, e como me enganei!
Por ter me enganado, principalmente,
De que eu poderia com tudo isto.
E eu posso!
Mas como em enganei
Que seria fácil ser real.
Eu não quero voltar no tempo. Tempo pra quê? Os relógios podem parar
De tentar marcar o compasso da minha existência.
O passado que fique para trás. O que foi, foi. Não posso mudar. Ainda que quisesse!
Ainda que pudesse...
Mas não posso.
E não quero.
O passado pode ficar bem onde está - ou lhe darei um murro no nariz.
Talvez eu ainda recorde o quanto fui feliz, no passado...
Mas que não seja eu hipócrita de não recordar que também não fui feliz!
Minha alegria está aqui,
Na destruição dos segundos,
Na obliteração do dia em noite.
Meus passos demarcam o limite;
minha cegueira é o meu novo vício: abrir os olhos pela primeira vez
E rir, como um doido! Eu disse um doido!? Meu mundo é o mundo de
vocês, e meu também. Acham isso loucura de um louco,
Ou loucura de um sábio? Que me importa! O sábio e o louco se dão as mãos,
E fica difícil saber qual é qual.
Mas eu não sou louco, não.
Sou apaixonado. E é simples assim.
Se você não gostar, haverá quem goste...
Mas talvez eu me importe com você.
Talvez eu queria que você abra os olhos
E tenha por vício as cores que enxergo
E as formas, as formas, as formas! São lindas, não são?
Tão perto, tão perto! Ah! Cansei...
Cansei de estar seguro. Cansei desse labirinto de espelhos.
Eu não estou aí, na tua superfície. Eu estou aqui! Aqui dentro
E tão silencioso... E tão compreensivo...
Eu acho que o silêncio não poderia ser mais confortante!
Minha casa é o meu coração, e eu deixo você entrar
Se não fizer muita bagunça
E me ajudar a limpá-lo, três vezes por semana.
Que o passado seja esquecido
Ou cosido em meu fogão. Podemos comê-lo com azeite
E queijos deliciosos.
Que importa o Passado, afinal?
Que importa o Futuro, afinal?
O Presente é o nosso presente,
E é bom agarrá-lo pelos cabelos, e não deixá-lo escapar como um rato.

Que lindo é o caminho de volta! De volta para casa.

Já nem recordo como a deixei - os jardins, os jardins!

A natureza deve lá estar morando,

Deve lá ter deixado os pássaros coserem ninhos

De luz e matéria.

Eu, que por muito tempo tenho estado aqui em cima,

Estou cansado de estar sozinho.

Quero amar novamente as sombras na varanda,

E as árvores de raízes saudáveis e fortes

Que deixei há tempos.

Eu, que por muito tempo amei as montanhas,

Mal percebi que tomei-lhes à semelhança!

Que feios eram os dias frescos

Sentado junto às rochas! A solidão

Já não me comove mais.

Eu mesmo me tornei pedra! Sentado, na mesma posição,

amando as folhas que caem e são levadas pelos ventos.

Eu não sou folha e aqui permaneço!

Que chato é permanecer aqui, olhando lá para baixo,

os homens e a dança dos homens!

E, quem sabe...? Não, não! Ou sim? Sou eu ali, a dançar?

Não. Eu não estou lá para baixo,

Mas lá adiante, onde os vales balançam os ventos esverdeados,

E a minha morada abriga o vôo

das vespas e dos passarinhos.

E eu vou lá para baixo! E é já! Que coisa... Abandonar essa

Montanha fria! Aqui tenho estado seguro, mas minha alma

Deseja vôos rasantes com a vida.

Minha alma deseja as vagas silentes e o reflexo

Divino nas fontes.

É preciso deixá-la, montanha, para que outro a suba.

Mas que outro me importa! Eu devo descer-te

Com a aurora nos cabelos, escorregando alegre

pela areia vacilante das rochas. A ti eu volto, minha terrinha

Querida.

Que quis eu aqui em cima? Que quis eu aqui embaixo? O céu

Não me pertence, nem a terra, tampouco o mar.

Quis eu pertencer ao céu, à terra ou ao mar?

Queira eu apenas pertencer e retornar

aos jardins que cultivei há tempos!

O mundo é grande demais pra mim! E o universo muito mais!

Melhor talvez seja eu largar essas baboseiras,

E dar uma boa varrida na minha varanda.

Eu quero voltar para o meu amor

Onde a Natureza virou hóspede.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Hoje, o dia de nós

Senhores entre os senhores.

Hoje, o dia de nosso

sacrifício:

Lembrar.


Nossa pequenez é

a nossa arma:

Somos infinitos

Enquanto

Indiferentes.

Somos fortes

enquanto sangrarmos.


Hoje caminhamos

à praia

e a percebemos

coberta de vida.

Nossa violência

são os nossos passos.

Nosso crime

é o amanhã.


Despertamos entre

as areias

de nós mesmos.

Duas rochas

na erosão de nosso caminho.

Rolamos e amamos

o precipício

de nossas almas.


Por quê? Por que

com tanta violência

disparamos contra o vazio?

Hoje, o dia de nós,

Senhores entre os senhores.

Minha poesia não está para a vida

e nem para morte.

Está para a tua mão.

A tua mão inerte sobre a minha.


Minha poesia está para o silêncio,

o amargo silêncio das tuas ilusões

perdidas.

O teu desespero não interessa para a minha poesia.


Como pode ver, eu sou um homem brutal,

mas ainda um homem.

E o meu amor é a semente

Lançada no caos e no suspense.


Eu pretendo o mar, não por sua beleza

Mas pela sua volubilidade.

Eu quero as ondas, que sempre se renovam

E sempre me perdem.


Eu não escrevo poesia para viver para sempre.

Escrevo para morrer.

Hoje, agora.

Eu escrevo para nos destruir.

Os sóis que amaste

São escuridão em nossos olhos, fresca

e límpida. Nós somos

os assassinos esperados

pelo amanhã. E estes versos

São para o nosso grande crime:

não permanecer jamais.