sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A morte é a sombra
deste lençol
Com que cubro todos os móveis
e os móveis em que guardei
tudo quanto retirei
e pus em sacolas escuras
e lancei para qualquer outro lugar,
num abandono sobre rodas,
para qualquer túmulo
de céu aberto,

Sei lá. Ainda me vejo correndo
Por estes corredores; cigarras mortas
marcam meus passos de pré-adolescente;
Eu ainda me lembro das cores,
do papel de parede, do lamento
da vizinha e do cachorro da vizinha,
e da campainha,
e de seu estrídulo de bronze grave,
e a maçaneta pesada como um
cadáver amarelo...

Agora é tudo branco e silencioso e sacramental
e coberto de panos. Meu passado teve seu
rigor mortis.
Já passou o prazo de ter prazos.
O tempo me devorou, querida,
E me cuspiu para outro instante.
Sou resto
Ou excesso. Alguma coisa entre essas duas.
E a morte,
Ainda me acontece, como um golpe surdo
No meio do mar,
E as ondas, ainda perpétuas,
Abrindo seus longos braços
Sem vida,
Na lentidão das nossas, como uma arraia
flutuando
e devorando tudo quanto já fomos.

Não podemos mudar
o que foi.
E esses panos que deito
Para um sono quase eterno (até que o
mofo se lhes corroa) são a prova
de que precisava.
Para tudo olhamos com saudade,
E para toda realidade
esperamos um fim. A cada tempo, estático.
Olhamos para traz, e lançamos
um olhar repleto de movimento,
de movimento desastrado entre ídolos quietos.
E com nossas mãos
imaginárias, tentamos demover
Todas as peças que não demovemos. Mas é tarde.
É tarde para mover peças,
É tarde para que engrenagens mortas
Girem o organismo das coisas.
E se tivessem girado? Teriam girado no sentido correto?
Sempre tenho esse desejo,
esse desejo e esse crime,
De mudar o que não foi,
e torná-lo.
Mas que panos cubram minhas palavras também,
E o SIM, na caligrafia de minha avó enterrada,
Zombe de minhas palavras grosseiras contra
a vida.
A natureza me espera,
E eu não tenho mais tempo algum de consertar as coisas.
Que eu seja também coberto,
E descoberto lá na frente;
Que as caixas me segurem
Enquanto me puderem segurar: pois salto ao mundo
Como um ladrão de túmulos,
Tirando, pela mão,
todos os mortos a dançar.

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