segunda-feira, 29 de junho de 2009

Não vês que eu sou apenas um animal ferido?

Desculpe-me, mas não consegui vê-lo. É tanta meiguice, tanto carinho que me deu, que mais me parecia saturada do amor. Parecia mesmo. Um anjo. Um anjo que descia até a minha terra, tomava delicadamente meu rosto entre suas mãos e o acarinhava, e o acarinhava, e o acarinhava... Não fui capaz de ver o fundo do teu oceano. Choravas por dentro? Guardas cicatrizes como o cervo que escapou ferido das mãos do caçador? A vida não te deixou ilesa.

Mas... Agora que penso, não será tanto amor e proteção um pedido silencioso? Assim como o argumentador ferrenho, mas em dúvidas, parece argumentar contra seu próprio coração, e suas palavras parecem desejar ecoar contra suas próprias dúvidas, teu carinho parecia pedir pelo meu. Eu não te dei, Anjo? Julguei-te forte quando estavas fraco? Tua asa foi ferida pelo meu egoísmo, essa faca sem dentes, tão serena e afiada.

Tu foste forte, meu animalzinho ferido. Mais forte que a tua fragilidade, por tê-la dobrado em duas, por tê-la arrebentado tantas vezes em nome de ser forte. E foste forte quando parecia fraca, porque tiveste coração para entrar em combate contra teus medos e teus receios. Tuas lágrimas deixaram trilhas cristalinas abaixo dos teus olhos. São as marcas da coragem que eu vejo e que adoro.

Hoje acordei especialmente pensando em ti, meu animal ferido. Aliás, certa vez me disseste que era um pequeno animal ferido. Que era apenas esse animal ferido, que pedia para ser amado. Como não entendi semelhante pedido feito com olhos de criança e de mulher? Teus olhos brilhavam, mesmo por cima da capa castanha escura da íris. Tantas vezes tentou esconder através desse espelho negro as tuas dores, mas a mim a revelaste. Não compreendi.

Mas agora compreendo, agora que penso em ti, em ti mais distante, em ti como uma criança, uma criança bem lá no fundo, que delicadamente acarinha seus ferimentos. Você julga ter amadurecido rápido demais, mas eu noto algo de infantil e terno, de frágil e limpo através dessa casca.

Hoje acordei de um sonho, desejando ter teu coraçãozinho pulsando novamente em minhas mãos. Será possível que eu o tenha uma vez mais? Será que terei alguma chance de lamber tuas feridas, remover-lhe o sangue com o calor da minha língua e do meu abraço? Eu te amo... Mas talvez isso não seja o bastante.

domingo, 28 de junho de 2009

É bizarro, mas acho que sou emotivo demais. Hoje tive sonhos tão ruins... e tão prolongados. Pareciam um filme. Eu fiquei profundamente tocado por eles, e por causa disso meu dia tem sido horrível. Estou esmagado pelos meus medos.

É engraçado isso... alguém que se dê ao luxo de sentir medo. Eu sou frágil, lá no fundo. Começo a entender a extensão dessa fragilidade toda a vez que me esbato contra ela.

Mas eu decididamente mereço passar por isso. Se existe um Deus, ele me julgou apropriadamente forte para me bater contra esse obstáculo.


Que vença o melhor.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Fábula do Grande Homem

Certo homem sentia-se fortemente pungido pela desolação. Isso porque há muito ele tinha percebido que os homens os quais conhecia chegavam até ele pequenos, ingênuos, ignorantes, limitados e obtusos; mas depois, conforme a amizade entre eles se estreitava, tais homens iam se tornando cada vez maiores, mais experientes, mais conhecedores, com horizontes mais amplos e capazes de raciocínios mais argutos e sofisticados. Tal homem então invejava a rápida ascensão e o grande progresso desses seus amigos, ao passo que notava que com ele o mesmo não acontecia, nenhuma grande modificação se operava em sua inteligência e em sua sabedoria. Certa noite, esse homem, enquanto buscava esquentar-se do imenso frio de seu espírito junto a uma fogueira; e[nquanto] contemplava, com melancolia, as chamas a sua frente, os olhos umidecidos pelas lágrimas, ouviu o fogo lhe falar: Por que sofres, ó grande homem? Não te apercebes que também eu nunca ganho mais calor do que sempre tive, ainda que tudo o que de mim se aproxima chega a mim mais frio e, gradativamente, vai tornando-se mais quente? Como poderia eu, que sou quente por natureza, querer tornar-me mais quente do que sou e do que sempre fui? Saiba que não há deus que não conheça o teu pesar e que todos eles te acariciam o rosto e te enxugam as lágrimas! Contenta-te, ó grande homem, em, assim como eu, ser a fonte de onde irradia aquilo que, para os que se chegam junto de nós, lhes faz falta! E, sobretudo, conserves na memória a lembrança de que sempre que teus amigos partirem abundantes do que antes careciam, foi em ti que eles se fartaram! E nessa lembrança encontrarás a plenitude e a satisfação daqueles que são aquilo que são em virtude de sua própria natureza!
Douglas Hugentobler Gimenis

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Meu grande segredo...

Eu vou te revelar agora, que estamos mortos um para o outro e que não temos hora e nem lugar para voltármos à vida. Vou te revelar o segredo que eu mesmo descobri, hoje... a mãe de todas as ironias.

Quando te falei em força, equivoquei-me com esse conceito. Ser forte... ambos nós dois? Será que nunca fomos fortes? Será que somos mesmos fracos? Eu fui fraco te pedindo para ser forte. Eu fui fraco desejando ser forte. E sabe porque? Porque "ser forte", inconscientemente, muito sutilmente, me abriu uma saída, um escape, para não assumir uma responsabilidade que era enorme e pesada, e que só agora me dou conta do quão grande e pesada ela era: cuidar do teu coração. E isso envolve tantos nervos, tanta força, tanta paciência! No fundo quis te embrutecer, embrutecer nosso amor, e acabei o destruindo. Não foi assim? Fui fraco desejando que fôssemos fortes quando, a força, ela na verdade existia enquanto cultivássemos a idéia de que um precisa do outro. Penso que a vida solitária é o caminho dos fortes, mas não é bem assim: cuidar do coração de uma pessoa necessita de uma força duplamente maior.

domingo, 21 de junho de 2009

Distração.

Realmente estou bem, agora. Ando me distraindo bastante. Parei de ter sonhos ruins, parei de ficar angustiado e inquieto. Já não ando mais por aí, nem como pouco. Tomo banho todos os dias, e sempre estou perfumado.

Ando pensando em mudar minha aparência, mas não sei como. Também ando com interesse por romances históricos (ando lendo Tristão e Isolda), principalmente os medievais. São legais.

O problema é essa anestesia... Soterrar-me desse jeito não é necessariamente ficar bem. Está funcionando, ao menos... entretanto... e depois?

Tenho uma porção de trabalho amanhã. Isso anda me preocupando, porque o meu marasmo afetou e muito o meu desempenho. Ao menos os professores (alguns deles) estão me vendo com bons olhos pelo seminário e pela apresentação que fiz.

Sei que estou seco, mas não ando afim de me entusiasmar. Estou tranqüilo, mas não posso dizer que estou lá muito feliz. Sei que vou ficar bem.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O Mercador de Perfumes

Não vejo como é possível que ele não conheça o valor do seu trabalho. Sua aparição me é estranha, assim como o seu turbante encardido: aparecia-me durante minha extensa caminhada. Era um mercador de perfumes.

Foram apenas dois dracmas dourados, quase que um óbulo infantil pela minha viagem. O frasco era pequeno. Ele nada disse sobre tal perfume.

Perguntei-lhe onde haveria outra terra em que pudesse repousar, ou um oásis com água e raízes profundas na terra. Ele nada me disse sobre tal lugar.

Apenas apontou, creio que aleatoriamente, para um lugar que certamente morria no palco de mármore que era o horizonte.

Perguntei-lhe se as muralhas de vidro que erigi sobre meu coração poderiam ser quebradas; se tal fragrância era composta com apenas as essências mais benevolentes dos mortos.

A esta pergunta, disse-me: "Derrama teu perfume e deixe que a areia o beba. Trata-se do perfume que os deuses mandaram-me vender para ti. Não há terra que convém te abraçar enquanto o perfume não tiver sido derramado, gota por gota, sobre o solo."

Eu poderia ter derramado todo o frasco de uma só vez, mas tal homem sabia que eu seria prudente. Uma gota, para cada estrela que descubro como nova.

É certamente impossível que tal homem não reconheça o valor de sua mercadoria.

Nômade

Hoje tive um belo sonho
Mas meu coração disse para ir longe do lugar onde está.
Para onde, eu não sei.
Apenas caminho... esperando que o perfume que comprei
Deixe um rastro que não se apague na chuva.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Não é talvez, nem pois.

É o meu único
Amor.

Sabedoria

1º Nunca tenha medo de perguntar absolutamente nada. Assim como os livros são feitos de páginas de conhecimento, o cérebro dos homens também possui suas próprias páginas.

2º O amor-próprio ás vezes se expressa em linguagens estranhas a nós.

3º O solitários são "eu". Aqueles que amam estão além disso.

4º Algumas pessoas, consideradas anti-estéticas, costumam carregar uma rica poesia dentro de si.

5º Jamais chore. Chorar seria dissipar o sofrimento, e o sofrimento é a coroa dos fortes.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Confissão.

Acho que o tempo não apaga
Essa distância
Nem a cria.
É tudo um produto
Da escolha.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

As pessoas se dão por vencidas...

Quando o amor vai embora.
Mas eu não me darei por vencido quando ele for.
Nem quando ele chegar.
Eu já vi pessoas perderem tudo, até mesmo aquilo que lhes era a força motriz impulsionadora de vida. Elas continuaram de pé, porque alguma espécie de espírito as mantinha.
Não quero que pensem que a minha vida é um drama. Pois não é.
Quero que apenas recordem que aquilo que vocês tem de mais precioso, o será muito mais precioso, muito mais maravilhoso quando o perderem.
E principalmente quando essa perda for irreversível.
Uma mulher que não reconhece-o mais como homem.
Um homem que não reconhece-a mais como mulher...
Há nessas pequenas desmemoriações amorosas um sofrimento secreto, mudo e profundo.
Você, que pensa que casará e terá filhos, e envelhecerá, e será feliz ao lado do seu amor... pense duas vezes e reveja todas as tuas atitudes: talvez o destino te pregue uma boa peça, ou talvez você pregue uma peça ao teu próprio sonho...

Jamais duvide de si. Jamais aceite outra coisa que não aquilo pelo qual você luta: o amor.
Quando ele for embora, serás um doente. Seja forte o bastante para superá-lo e ir atrás dele de volta.
Se não puder correr, o espere e seja forte. Se o esperar, pode ser que seja recompensado, seja com a volta desse amor ou com a volta da dignidade.

http://www.fotolog.com.br/cr0wnless/14796823

Esse é o meu tesouro, e talvez nada no mundo possa maculá-lo.
Nem mesmo eu.

Nunca...

O beijo que eu dei foi o mais doce.
Nunca a testa que encostei foi mais macia
Ou o colo mais protetor (mesmo que fosse teu, a quem jamais teria forças físicas para me proteger).
Eu fui o animal ferido que nunca largou as suas armas.
O beijo que eu dei foi o mais doce.
O tempo não lava o rosto da água.
O tempo não apaga o vestígio da noite nos teus olhos.
E que mais esperam-nos os anos? Nada que não seja mais fatal que o teu meio-sorriso
Quando parti.
Nunca terão chorado os cinamomos.
A lágrima jamais rola por fora da película humana. E isto não passa disso: uma membrana frágil e dissimulada.
Se a chuva esconder na argila o cheiro do meu rastro...
Então sonho que jamais poderá me seguir, quando eu finalmente cair.
O beijo que eu dei foi o mais doce.

Fim de semana.

Consegui finalmente dominar minhas emoções. O mais desagradável está feito...
Esse fim de semana foi bom, eu posso dizer. No sábado fui até meu primo, lá almocei, vi o final emocionante de Gungrave (tive que me segurar muito para não desatar no choro), joguei bomberman e vi um pouco de Fate/Stay, além das conversas. Não vi meu pai. No domingo almocei tarde, passei o dia todo lendo A Dama das Camélias (de Dumas Filho) e comendo bolo juntamente com chá (umas 3 ou 4 xícaras de chá!). Terminei Dumas lá por volta das 23h.

Sobre o livro: impressionei-me muito, não apenas com a narrativa, mas com alguns fatos que parecem bater com os da minha vida, com alguns traços do livro que parecem videntes. Eu nunca contei pra vocês, não é? Há duas semanas tive um sonho de rompimento de relações... com a Lola. Em seguida nos dirigíamos para isso. Um dia que fui vê-la, não encontrei minha manta. Achei que tinha perdido-a. Em Dumas Filho, Marguerite passa o inverno sozinha, distante do seu grande amor, e morre quando mal se aproxima a primavera...

Não vou discorrer sobre esses detalhes, mas eles parecem vir carregados de um simbolismo especial. Não sei se foi em minhas ficções com a realidade que os percebi e os anelei aos meus dramas, mas... Se alguma coisa acima de mim existe, isso poderia muito bem ser a sutil linguagem que ele usa para falar comigo.

De qualquer forma, ando melhor, sim, obrigado. O domínio das minhas emoções veio com uma espécie de auto-suficiência nos meus sentimentos. Lembrando das coisas boas que passei, da minha felicidade anterior, pude manter meus sentimentos e desfrutar deles... Me sinto mais forte e mais autônomo, e isso é bom. Além do que, há coisas que andei pensando, e das quais não ousaria contar aqui no blog... Há coisas que precisam ser revistas, não apenas no meu cérebro, mas no meu coração.

Espero que essa semana seja produtiva em termos acadêmicos. Quero dar uma boa aula sobre mídia (ainda não a dei) e instigar meus colegas. Quero que aqueles vagabundos da minha aula me respondam o brainstorm, senão eu terei de inventá-los. Quero me divertir, porque se não o fizer, terão sobrado apenas aborrecimentos e trabalho.

É tudo.

Espero acordar bem amanhã.

Que tudo isto...

Não seja um sonho.
Pois se for, terás passado como um.
Pois se for, eu terei sido outro e não este.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Ela me fez um pedido misterioso...

Que pedido misterioso...
Não quero alimentar ficções. Eu disse a ela. Ela permaneceu impassível.
Que pedido misterioso...
O de, talvez, me preparar para o invitável, como alguém que marcha ao cadafalso?
Que pedido misterioso...
O de, talvez, vencer a mim próprio, meu egoísmo? O de vencer o que não consigo suportar?
Que pedido misterioso...
O de, talvez, fingir que as coisas estão bem, para então calmamente te deixar?
Que pedido misterioso...
Se eu fosse eu, o que escolheria interpretar?
Se eu fosse eu, o que eu escolheria ler?
Se eu fosse eu... o que eu escolheria amar?

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Limite.

- Quer dizer que... este é o meu limite?
- Talvez
- E se não for?
- Então você estipula um outro
- Gosta de ter limites?
- É necessário... O próprio ilimitado tem um limite.
- Mesmo? E qual?
- Nós, humanos, por exemplo...
- Isso não faz sentido!
- É como aquele enigma chinês: se uma árvore caí dentro de uma floresta, e não há ninguém para ouví-la, ela produz som?
- Sempre que alcanço um novo limite, sinto necessidade de ir além dele...
- Isso é uma infelicidade...
- E porquê!? Sempre pensei que fosse sinal de força, de espírito forte... Não ter limites, limites possíveis...
- Significa que não está satisfeito com o caminho que traçou, os limites aos quais chegou. Tua sede pelo infinito se edifica sob uma contínua insatisfação...
- Você... você acha mesmo isso?
- Não seria eu, agora mesmo, um novo limite a ser superado? Não seriam as minhas palavras, de condenação a tua fome pela vida, um pequeno teste que o fado te traz? Se cais derrotado, diante de verdades que muito bem poderiam não sê-la, então chegastes ao teu limite?
- Estou derrotado quando encontro meu limite?
- Aí é que está.
- E se desejo, de coração, transpô-lo?
- Então aí não será mais tu a transpô-lo, mas outro.
- E qual é o nome desse outro?
- Você saberá.

Será que...

........ é isso?

Se sei amar...

Talvez saiba não amar.
Saiba ser aquilo que você está precisando que eu seja, babe...
Saiba ser menos eu e mais tu.
Será que ser tu é igual a não ser mais eu?
Se eu for eu, serei esse mesmo idiota... que está quase caindo em um poço.
Talvez você precise de um amigo...
Talvez você precise de uma coisa diferente...
Talvez precise que eu seja menos eu e mais para você.
Isso significa que tenho que me enfrentar.
Que tenho que vencer o que nunca venci.
O que sempre tive orgulho de nunca vencer.
Engraçado, né?
Será que eu consigo...?

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A Noiva do Vento

O inverno estava no coração dela. No tórax, também. Toda a vez que tentava a respiração dentro do sufoco, dentro daquele pulmão de lágrima viva, de lágrima morta. Seus cabelos eram afeitos àquela estação que, antes de tudo, era uma estação da própria alma. Seus cabelos... seus cabelos eram de prata e de ouro, não sendo um e outro, apenas uma exteriorização... de si? Dos outros? Da sede por sumir? Suma, Diamond... Corra... O inverno se aproxima do teu coração, e seria realmente melhor mergulhar nesta redoma, esta pequena e aparentemente frágil redoma de diamante.

Andava... O néon, da “Saint-Fuck Chapel”, amarelado, batia nas roupas dela... Neve por todos os lados, e nada.

Nada que não isto, não é mesmo? Um vazio de ter sido traída na infância dos seus sentimentos, ignorada quando tudo o que desejava era ao menos ser ouvida. Era nisso que se detinha, que pensava. Um a um assassinava seus sentimentos. Aos poucos, com o passar dos anos, teve a impressão de ser perseguida por uma sombra: seu Assassino a procurava, ele mesmo, procurava sua alma como uma aranha.

No dia de ontem estaria fugindo dos passos “daquele homem”, aquele homem alto, truculento, grosso, rude, incompreensível... Aquele imaturo. Fugia, e esmagava sua capacidade de sentir fúria, esmagava sua capacidade de se importar se ele a deixaria furiosa. Ele seria seu Assassino? Seria ele um castigo por ter sido tão desumana, tão ressentida ou tão benevolente? O que, por um tempo, lhe parecia amor, aos poucos foi se tornando sombra...

Agora, hoje em particular, ela se punha no lugar onde se conheceram (triste coincidência!), e que era uma das mais horripilantes vistas da Baía de Tóquio: a neve ocupava tudo com um branco que era morte e não vida. Seus cabelos, agora que suas mãos estavam bem postas no parapeito de aço, agora que seus olhos desejavam transfigurar-se em pássaro, agora que... agora que estava só; seus cabelos balançavam como uma promessa solta no vento. Por quê? Porque insistia em procurá-la? Porque insistia em machucar seu coração? Essas perguntas ela tentava afastar, como a uma criatura selvagem e demente.

“Por... quê? Agora que consigo... me isolar, me proteger... Por que vem com esse ar prepotente, mesquinho, egoísta, esfarelar minhas certezas?”

Um arrepio percorreu seu corpo, como a confluência gelada de um rio que deságua em todo o seu interior... era um rio negro que se estendia, com as formas de um homem, sobre seus pés. Sobressaltou-se, e virou, decidida a mandá-lo embora: nada.

O vento carregava as últimas folhas secas... era inverno em Tóquio, a cidade adormecida, a cidade grande, a cidade solitária. Também sentia o tráfego de desejos ruins em suas veias, em seus pensamentos. E a confusão... e as buzinas... e... o cansaço. Sim, o cansaço. Estava cansada de lutar por algo que não tinha, que talvez nunca tenha tido, e nem nunca teria. Estava cansada de um cansaço... que aflinge, que drena, que joga na esquina da vontade de morrer, uma vontade que antecede a ilusão da força, a vontade de ser livre confundida com uma auto-destruição do coração.

Mas onde, precisamente, se situava aquele “voltar-se para trás”? Aquele desconforto...

-“Estou mesmo sozinha.” – voltando-se para a baía. –“Estou sozinha como essas águas, essas lindas águas que permanecerão as mesmas, ainda que o inverno as cubra com o branco, ainda que a primavera instale o sol em suas ondas, ainda que o verão traga muitas flores e chuva, ainda que o outono torne a deixar essas águas cinzas e admiráveis pela sua nobreza e imutabilidade. Estou sozinha, mas não sou água. Estou sozinha, e constantemente amputada por estas estações, que me transmutam, que me insatisfazem. Estou sozinha e fui mudada, mais que pelas estações, mas por você... Que infelizmente foi cruel, que infelizmente não viu, não ouviu, não sentiu, não cheirou o meu perfume quando eu mais precisei. Eu estava machucada, eu estava perdida, eu queria o teu colo, o teu colo quente e macio, a tua proteção vigilante, o teu amor caridoso, as tuas palavras que são ditas ao ouvido, como um segredo nosso e só nosso. Eu queria... e depois de tudo não tive. É hora de partir...? Ás vezes me parece que sim... ás vezes me parece que é assim que o vento é e deseja ser: ele parte quando menos espera, e por isso é belo, e por isso é livre, e por isso não sofre, o mesmo vento que parece desejar partir das correntezas do meu coração...”

-“O vento, sim, é livre... “

Quando ouviu sua voz, um estremecimento percorria a nuca daquela menina. Quando ouviu sua voz, pensou que fosse apenas um truque do vento... e na verdade era: um truque de sua mente.

-“Um truque do vento... para me chamar até ele, a tentar ser como ele?” – ela pôs um dos pés sobre uma barra de aço do parapeito, como se fosse pegar o impulso de um salto. –“Um truque do vento, mas com a tua voz... Você quis ser como o vento, e fugir entre meus dedos, do meu coração? Esse é o teu grande segredo? Essa é a tua grande natureza? Se for... deixo que ele saia de mim, que ele percorra as águas da baía e suma. Porque não vai fazer diferença. Não vai...”

Não vai fazer diferença se ele está ou não. Não vai fazer diferença se a neve é branca ou é vermelha; se o cigarro tem filtro ou não; se a vida vai continuar uma merda ou não, porque o grande assombro era este: não conseguir ser a mesma depois daquilo tudo.

-“Uma bela vista, não?”

-“.......... Há quanto tempo está me seguindo?”

-“Desde que... eu comprei isto.” – mostra um cachorro-quente quase todo devorado, a não ser por um pedacinho. –“Quer?”

-“Não, obrigada.”

-“Está bom.”

-“Deve estar. Aliás, era você agora há...”

Ele permaneceu a fitando. Ela sequer olhava para ele. Mas a cara de King era a de estranhamento: não sabia do que ela falava.

-“Esqueça.”

-“Por que?”

-“Porque esquecer é fácil.”

-“E lembrar é difícil?”

-“Arre. Estou dizendo outra coisa...”

-“E eu lembrei que hoje é o seu aniversário.”

-“É mesmo? Pois pra mim é daqui alguns meses.”

-“Boba: hoje, dia 20 de janeiro... foi quando você me deu aquele murro na cara, lembra?”

Sim, é claro que eu lembro, teria dito ela... Mas que coisa. Faziam... dois anos. Dois exatos anos em que eles haviam se conhecido e ela o teria tomado por um cafetão.

-“Eu não... lembrava disso.”

-“O vento não lembra. A água não lembra, e veja só: permanecem os mesmos.”

-“Do que está falando?”

Ele se aproximou dela e apontou, colocando o pé sobre a mesma barra de aço do parapeito que ela.

-“Eles são tão superiores a nós, né? Eles não sentem medo, não sentem frio ou calor, não sentem saudade, não sentem raiva, não sentem carinho (não transam): são o que são. O vento sempre será apenas o vento, e a água será apenas a água. Não há poesia para eles, não há nada que os complete, porque quando os sentimos notamos que estão completos, que estão certos do seu destino.”

-“...”

-“Eles não podem amar. Eles não podem cheirar. Eles não podem sentir. Eles são...”

-“É o que eu queria agora! Não sentir nada! Isso, essa não-sensação, e essa sensação também, que vem dela, essa sensação de inverno, de paralisia, de sem-gosto, de...”

Quando deu por si, seus lábios estavam colados aos dele, e a sua raiva foi tanta que não demorou em dar-lhe o segundo murro.

-“O que está fazendo!?”

-“Você nunca será como o vento. Meu dentista que o dirá...”

-“Argh. Deixe-me ir... Aqui é... perda de...”

-“Tempo? O vento não perde tempo. Nós que perdemos o tempo quando o vemos passar.”

-“...!”

A mão dele estava sobre a mão dela. E era tão quente...

Foi de-repente... foi tão de-repente...

Que ele a abraçou, forte, tão forte... Que a respiração de um parecia transferir-se para o outro. Ela... ela queria sair, ela queria ficar. Ela... não estava confusa. Não sentia nada. Nem a lágrima que saía furtiva de seu olho.

-“Você é como o vento... Nunca pára no mesmo lugar.” – disse ela.

-“O vento parou quando se deu conta de que não era vento. De que era algo plenamente... isso.”

-“Isso ...o quê?....”

-“...Seu.”

Lisboa Revisitada

Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

E eu, que não sonho. E eu... que não conheço o sono
Que talvez esteja sonhando
E dormindo agora mesmo.
E eu, cuja intangencialidade do sonho
Se perde na dureza do infinito.
Esse infinito tão finito. Esse sonho tão realidade.
Ando, as mãos nos bolsos,
Metafisicamente falando: um sonâmbulo.

Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

E por isso eu sigo andando
Nada me prendendo a nada, que seja terreno ou celeste
Porque este céu, que parece céu, não é mais que a outra face do asfalto em que tropeço.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Deveria abandonar a batalha, não achas? Mas até que ponto dormir não é acordar...
Até que ponto não somos um produto do que sonhamos?
Falsidade para fora e dentro de mim. Arrogância, prepotência, submissão...
Até essa vida... seria grande demais, esférica demais.





Sobre o poema:

Foi uma tentativa de diálogo com Álvaro de Campos. Fiz agora mesmo, em alguns minutos. Talvez tenha saído ainda muito 'cuidadoso', mas eu prometo que me despojarei das palavras.

Não vou ficar citando cada estrofe como a de Álvaro: vocês, que conhecem Lisboa Revisited, não terão dificuldades em percebê-las.

Segundo dia...

O segundo dia veio mais silencioso. Nem o percebi. Acordei quieto, tomei meu banho quieto, saí quieto. Tudo quieto. Eu nunca fui mais quieto do que isso.

Algumas coisas... que andei vendo... talvez sejam o preço a pagar. Nada precisa ser da sua conta, babe. Nem eu. Ás vezes desejaria ser esmagado, ser xingado, ser jogado fora para contrair um ressentimento, tão grande, que fosse suficientemente grande para apagar o que eu sinto. Porque não direciona esse golpe contra mim? É mais prazeiroso assim?

Meu estômago está revirado. E eu já nem sei como consigo dormir.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Se escrevo sobre o mar, não é mar: é maremoto.
Você entende sobre isso, não é? Essa expectativa furiosa, misteriosa...
As massas de água nos ensinam que somos feitos para a terra, e não para essa profundidade do absurdo. Você é bicho da terra, não da fúria. Você é tranqüilo, não indômito. O mar me ensina isso, toda a vez que o encontro, toda a vez que o sinto. Se subisse os degraus do céu, seria apenas um minuto de... solidão.

Meu primeiro dia...

Aconteceu. Eu acho que errei demais, errei demais mesmo... E talvez agora sequer tenha volta. Nunca tem. Na verdade, todas as coisas que você faz elas permanecem, de alguma forma, seja num sonho ou em uma lembrança. A sensação de fracasso não pode ser maior que a dor: a dor da irreversibilidade. Mas eu acho que eu a mereço, e não a pessoa a quem fiz tais coisas. Entretanto, estou angustiado. Durante a noite o sono vem dificilmente. Fico no computador, esperando para falar um pouco e descobrir alguma coisa: se nunca mais nos veremos ou se ela ainda sente algo por mim que pode se tornar grande. Essa dúvida... nunca a tive antes. Em relação a ela, ao menos. Sempre soube amá-la. Mas talvez... talvez eu tenha me descuidado. Talvez eu tenha ficado desleixado por dentro, e isso tenha se refletido fora de mim...

Ontem mesmo percebi isso. Desleixo. Descuido. Meus cabelos cresceram, minha barba também. Ás vezes ponho qualquer droga de roupa, apenas para não passar frio. Nem ligava pra barba, pro meu quarto, pras minhas propostas de emprego para mim mesmo, para minhas idéias, para nada. Meus estudos: pff... fazia nas coxas. Eu percebi que não gostei de mim o suficiente. Percebi que não cuidei de mim o suficiente. E se eu não cuidei de mim, se eu não me importei comigo, como posso dar, como posso me importar com outra pessoa? Se eu não tive a percepção para ver antes que a minha própria situação é crítica, óbvio que eu não teria percepção o suficiente para cuidar de ti, querida. Eu não sei se essa é a verdade. Talvez seja uma verdade, uma razão. Talvez existam muitas razões e verdades que derrubem esta.

Mas eu resolvi tentar...
Refleti, refleti mas ainda não cheguei a uma fórmula que possa driblar a minha falta de atenção, a minha falta de cuidado e discernimento; Tudo o que percebi é que o caos das minhas coisas era parecido com o caos que vive dentro de mim. Hoje acordei cedo, sabe... 15 pras 8h, e fui fazer um bolo. A cozinha estava arrumada, e ninguém havia acordado (ou tinham saído). fiz um belo bolo de chocolate, com muita paciência e cuidado. Fiz a calda e deixei esfriando. Fiz a barba também, tirei a sobrancelha, me lavei todo, pus um creme no cabelo para deixá-lo mais macio, dobrei minhas roupas, ajeitei meu quarto o que eu pude (embora ainda falte o armário) e me perfumei. Onde estava meu amor próprio? A coisa que sempre achei mais importante...
A verdade é que se tu não tem amor próprio, não pode amar. Mesmo que tenha sentimentos! Não pode... não conseguiria dar o que não dá nem pra si.
Arrisco, é verdade, com os olhos contra o escuro. Penso, agora, que mesmo que dê errado eu terei tirado alguma lição. Sofrerei, sofrerei muito, mas vou precisar suportar isso como homem.

Quando olhei meu guarda-roupa pensei: "pena não termos alguma máquina que dobre as roupas automaticamente. Não tenho paciência para dobrar isso...". Foi então que eu me dei conta: eu não tenho paciência. Essa paciência de zelar por uma coisa, de mantê-la limpa, ordenada, organizada, direita, bonita... a paciência que vem com o gosto, o bom gosto pelas coisas. Essa paciência que, naturalmente, te tira um tempo do teu dia e te põe a focar uma atenção que você gostaria de ter posto no video-game ou em outra coisa qualquer... essa paciência de fazer aquela coisa e esperar a perfeição dela. Como é bonito! Como é simples!... Hoje mesmo, quando eu voltar para a minha casa, arrumarei peça por peça de roupa e a dobrarei em meu guarda-roupa. Lavarei uma camisa e me arrumarei para amanhã ir marcar uma entrevista.

Pretendo desenvolver esse diário com muita paciência e postá-lo, sobre esses dias em que ficarei sem o meu amor. Será que posso mantê-lo? Será que posso mantê-lo como aos meus sentimentos? Apesar de ter me distraído, apesar de ter pensado, de ter sido otimista em relação a coisas as quais eu não deveria ser... apesar de tudo estou disfarçando uma tristeza. Será que a faço bem? Se as pessoas lerem o meu diário, saberão que não. Sorte que quase ninguém me visita aqui, e sorte que quase ninguém, quando visita, lê tudo o que escrevo... Não é por orgulho, não. É porque, mesmo que eu grite o que eu sinto, nada vai mudar o que já está feito.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Umar

Imagine um céu de prata fria
Seja por sonho ou por realidade... Uma prata
Que foi esquecida dentro do congelador.
E que por isso, repleta de estalactites,
Joga pela mão do inverno
Agulhas de gelo enxugado.
Imagine o céu, olhando para cima, este mesmo céu
Que não é azul ou preto
Um céu idoso, cujas mãos parecem sangrar vapores de aço líquido.
Um céu que sobe.
Eu estou para cima, ás vezes achando que a gravidade
Me joga para cima.
Você sentiria, se fechasse os olhos, este céu?
Provavelmente
Seu estômago sentiria o abalo desse novo centro gravitacional
O estalar da madeira, a bruma salgada e branca, repleta de faróis de luz quebrada
E abaixo o negro, repleto desse marulho, dessa calmaria indecisa da espuma.
Um mar de mármore
Eu estou líquido por baixo do sólido
E meu estômago segue o tambor ritual dessa senda.
Não sei porque estou aqui.
Não sei mesmo. Eu fecho os olhos, e apenas sinto, na escuridão da pálpebra
O mesmo mar de ébano, a mesma fuligem sombria do enxofre, jogando no infinito do céu
O seu toque gélido.
É inverno.
Os ventos polares trazem nuvens e neve líquida
E a mudez dos trópicos, agora caduca, deixa de ser oca
Se fecho os olhos, a madeira estala
Se não fecho, percebo que estou em trânsito
Com coisas pouco semelhantes a mim.
O mar de cobre, escondendo os tesouros da morte em seu olho vítreo,
e, com olhos fechados, o canto dos pássaros
O grasnar dos ventos
Penas que voam, não de cisnes, mas desses abutres marítimos
Atravessados pelo rugido mole da maré.
E o esôfago, estreito por uma mão
Uma mão que agarra meu pescoço...
Novamente caio para cima, e a onda prateada do céu
Baixando, ferida pelos ventos anciões.
Se olho para baixo, o sal explode ou então desliza, como um leite de água viva...
Acima, o céu gelatinoso... anêmonas que morrem e são injetadas com tempestade pura.
E se baixo os olhos, uma vez mais! Nada... apenas o estalar da madeira.
Para cima eu novamente caio...
Penso nos rios que recebem tão tumultuosas águas.
Penso em todos os rios, em todas as pequenas veias que recobrem a terra
E a abastecem.
Minha língua sente o gosto duro dessa terra
E se abrires os olhos, sentirás a terra
Em tua vértebra
Em tua espinha
Em teus movimentos ósseos, quando cais pra cima
E mergulha na piscina de silício.
Meu cérebro... atravessado pelos cânticos
Meu cérebro é uma página. Uma única página.
Não sonho. Não sonho... talvez estivesse dormindo antes de acordar
E perceber
Meu esôfago, minhas mãos, meus pés, meus cabelos
Arrepiados pelos ventos anciões
Se quebrando, no tumulto grávido de ecos
Na espuma de mármore que desmancha a confusão das coisas que disse.
E se olhares bem, verás a chuva
na tua testa
A luz na tua boca
O teu coração, aberto diante de um espelho...
Batendo compulsivamente.
Quente e sólido.
Mas a chuva... esta apaga todos os rastros do teu grito.
O grito mais humano do mar.
O grito menos humano que pensaste.
E tudo torna a desaguar dentro de mim...