segunda-feira, 30 de março de 2009

Dez coisas que você odeia em mim:

- Odeia o modo como contra-argumento mesmo sabendo que não tenho razão.
- Odeia o fato deu ser egoísta e de sempre pensar primeiro no meu próprio prazer.
- Odeia o fato de que isso a deixe insegura, e faça com que pense que eu não te ame mais.
- Odeia o fato deu ser indiferente junto dos nossos amigos e nunca preencher tuas expectivas na frente deles.
- Odeia o fato deu ser preguiçoso e muitas vezes indolente.
- Odeia o fato deu sempre remar contra a maré, mesmo que isso signifique que eu tenha que remar contra ti.
- Odeia o modo como me armo e visto a minha armadura; de como eu nunca choro e nunca quero chorar na tua frente. Isso te dá a sensação de que me protejo de ti.
- Odeia o modo como faço as coisas sem pensar, apenas pensando no meu próprio instinto, mesmo que isso signifique te esquecer.
- Odeia o fato de que eu possa ser estúpido, ás vezes por poucas coisas ou nada, apenas explodir como um balão que ocasionalmente estava muito cheio de água.
- Odeia em mim o fato deu sempre parecer indiferente; que eu provavelmente não me importe se você está tentando dormir apesar da angústia que algumas vezes te faço sofrer.

São os meus defeitos. Eu sou absurdamente egoísta. Eu sempre tento aparentar indiferença. Sempre me protejo e quase posso dizer que gosto de entrar em conflito com as coisas. Sou idealista, sonhador e mesquinho. Sou cínico, e com certeza não sou a melhor pessoa que você vai encontrar pela vida...
Mas, apesar disso, quero que me acolha. Apesar de ser egoísta, quero poder aprender a pensar em ti. Apesar de sempre tentar aparentar indiferença, nos meus olhos pode ver que as tuas palavras me atingiram, e é exatamente por isso que escrevo esse post. Mesmo que não vá ler, tudo bem. Meu ideal e o meu sonho é poder permanecer junto de ti, se não tal como sou, melhor, ainda melhor do que eu sou. Se posso ser cínico, também posso ser verdadeiro, e a verdade que quero expor é exatamente esta: eu nunca te abandonei e nem vou te abandonar.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Da Academia

Vocês podem até não concordar comigo, podem me chamar de invejoso, de qualquer coisa que quiserem, mas mesmo assim digo o que me vem na cabeça. E ponto.

Já estou me cansando da Academia. É um lugar grande, onde se troca conhecimento, se faz amigos, se desenvolve o saber? Talvez 40% disso seja verdade, mas pelos os outros 60% do verdadeiro espírito da Academia eu a chamaria de modo diferente: coliseu.

Para começar, a Academia é um lugar preparatório para a guerra. Os filhotes vem de seus recantos paradisíacos burgueses, e lá são batizados com todo o tipo de meleca e tinta (alguns precisam passar ridículo). É um ritual importante de socialização, e quem não o fizer é um excomungado, um exilado das relações humanas. Nesse ritual os filhotes se sentem ainda mais filhotes, e assumindo esse caráter de filhote e brinquedo, divertem-se sendo a diversão dos temidos 'veteranos'.

O primeiro semestre é assim: comentamos baixinho que os filhotes, os bixos, são pretensioso, arrogantes, crianções, que gostam de levantar o dedo mas sempre pra falar besteira, que são aplicados mas "nada entendem da verdadeira essência dos saberes", e essas fanfarronices de nós, veteranos.

No segundo semestre o filhote já não é mais filhote, mas ainda não tem filhotes para atormentar. Dessa forma passam seu tempo, ainda um tanto inseguros como no primeiro semestre, reclusos e procurando alguma forma de adquirir mais saberes e passar nas cadeiras.

No terceiro semestre repete-se o ciclo, e assim por diante, até o infinito. Os veteranos serão sempre os veteranos, mais sábios, superiores; os filhotes deixaram de ser filhotes, eventualmente, e essa hierarquia tende apenas a crescer com o nascimento de alguns muitos partidos que se autoelegem dentro da faculdade, como os sociais-democratas, os hippies e os Anarquistas (os quais inclusive fizeram a gentileza de saudar os bixos nos primeiros dias de aula).

A UFRGS tem o vício enojante de falar coisas 'esquerdistas'. Qual o quê! Que bobagem! Onde já se viu um partido anarquistas se auto-elegendo no meio dessa barulhada? É muito ridículo, principalmente porque pra eles anarquismo significa festa e baderna. Ou os sociais-democratas, que apesar de vomitarem muitos bordões psicopedagógicos e humanitários (e promoverem muitas caminhadas ao ar livre para protestar), quase nada fazem em relação aos problemas internos da faculdade em que eles próprios estudam. Os hippies só querem sentar na grama e relaxar.

A Academia não é grande coisa, não. É uma bolha, como disse o meu primo. E ele tem toda a razão. Você se afasta não sei quantas dezenas de quilômetros do centro da cidade, onde só há mato e ferro-velho, passa por uns morros e está no Campus do Vale: um retiro para ermitões. Aqueles ares, tão estranhos ao ambiente urbano, te fazem esquecer que há uma vida acontecendo, ás vezes sobre quatro rodas, mas tudo o que consegue ver na tua frente são alguns salgueiros e uns textos sobre a teoria literária da escola de Frankfurt.

Você chega lá e simplesmente exercita um conhecimento tão teórico, mas tão teórico, que professor algum ensinaria a alunos do ensino médio. O pior não é o conhecimento teórico em si, mas o valor que se lhe atribuí. As aulas são coliseus de verdade, no sentido de que sempre tem alguém pra te contra-argumentar. O problema não é o ato, mas a intenção: eles contra-argumentam porque gostam de dar showzinhos. Eles discutem com os professores, expõe suas idéias 'maneiras, cara', armam barraco em sala de aula (e até, não sei onde!, encontram espaço para falar sobre alienação e a luta revolucionária contra a alienação) tudo porque a professora quis ceder um espaço para falar sobre a matéria em desenvolvimento.

Sabem daquelas pessoas que levantam a mão só para falar besteira? Ou ainda aquelas, que qualquer coisa que o professor ou o aluno fala, ela diz: "não podemos generalizar, né? tudo é relativo..."? Aff! É ÓBVIO QUE TUDO É RELATIVO, CRIATURA, mas se estamos tentando chegar a uma conclusão sobre alguma coisa, precisamos adentrar em algum nível de generalização. A teoria não pode lidar com níveis de relatividade, porque ela procura elementos comuns. É como na ciência, e mesmo o estudo literário precisa ter um quê científico, objetivo. Mas não! Sempre tem algum acadêmicuzinho impressionista que fala sobre relatividade e sentimento da alma. Bichisse.

Ou então, o coliseu fecha quando um tenta mostrar diante da professora (que faz um papel de mãe-a-ser-impressionada-pelos-filhos) que sabe mais que o outro. Ou usam o pretexto de uma aula discutida e crítica para diminuir o colega. O grande problema da Academia é a vaidade: para começar, lá na Letras, não fazemos nem estudamos NADA DE MAIS! É só literatura, um bando de caras mortos e uns textos críticos mal-escritos. É por isso que parecem tão difíceis: são mal escritos.

A poesia não surge da alma (acho que nem existe alma), mas isso não quer dizer que você possa arrogar para si algum entendimento especial da poesia, até porque ando suspeitando que os poetas escrevem sobre qualquer coisa e de qualquer jeito que lhes pareça mais bonito.
Na Academia revira-se entulhos e entulhos de culturas mortas e regozija-se disso como se fizéssemos grandes descobertas. O pior alvo para isso são os próprios acadêmicos: jovens (entre 18 e 19 anos), altamente impressionáveis, imaturos, acham isso uma maravilha e usam isso para, ás vezes, para tapar buracos em sua própria auto-estima: coitadinhos deles quando descobrirem que esse conhecimento, quando apenas acumulado, nada significa e nada frutifica de útil para a tua vida individual, que é a única coisa que interessa.

Mas sim! Invejo, do fundo do coração, aqueles que mal cursaram dois semestres e já estão usando camisa social, deixando bigode crescer, usando oclinhos de velho e andando pra lá e pra cá com dois tomos de história de literatura francesa. Ou as gurias, que mal completaram 19 anos, usam salto, maquiagem pesada e se vestem wannabe mulheres independentes. Isso é tão escroto e forçado que me dá vontade de chorar.

Já estou chorando...


Para finalizar, quase aplaudi uma garota, na FACED, que extinguiu todo o hálito pulmonar dela pra dizer que "a escola era uma bolha". Muito bem dito! Só pena que esqueceu de dizer que a faculdade também era OUTRA bolha.

E o mais triste: quem aqui pensa que na Academia se ensaia para viver a vida dos adultos, só lamento em dizer que está coberto de razão.

terça-feira, 24 de março de 2009

Sobre pseudópodes.

Acho muito engraçado que algumas pessoas tenham a enorme propensão a utilizarem a palavra pseudo- (ainda que isso seja um prefixo, hahaha!), algumas vezes para mediocrizar ou rebaixar o trabalho do outro (ou o próprio outro), muitas vezes sob o pretexo de “salvaguardar a legitimidade de alguma coisa”. Entenderam?

Vamos supor:

-“Seu argumento não esconde o que você é: um pseudointelectual”.

Essa é a que mais ouço por aí, alguém chamando o outro de “pseudointelectual” e falando sobre “pseudointelectualismo”. Mas fico me perguntando o que vem a ser uma e outra! No meu entendimento, intelectual é aquele que dispõe esforços para satisfazer alguma curiosidade intelectual, ou que estuda, pesquisa assuntos de cunho intelectual. Por intelecto temos a razão e tudo o que pode ser apreendido por ela. Intelecto é a nossa capacidade de pensar sobre as coisas, e todo o pensar sobre as coisas é um pensar crítico (negativamente ou positivamente). Mas, de tempos pra cá, essa alcunha “o intelectual” aplica-se apenas àqueles estudiosos das culturas, das áreas humanas (onde se desenvolve um senso crítico mais apurado sobre o mundo), ou aqueles que “costumam ter uma opinião sobre as coisas, uma opinião bem formada”. Os intelectuais detém o conhecimento, mas uma vez que o conhecimento não é um dado a priori, todos os intelectuais, logo, são “pessoas que buscam o conhecimento”, como afirmei anteriormente. Ok, e daí? E daí que é simplesmente impossível existir uma pessoa que falsamente se dirija ao conhecimento. Em relação à apreensão de cultura e saberes, só se pode tomar duas vias: apreender ou não-apreender.

Também dizem que o pseudointelectual “finge” que sabe; apenas recita nomes de autores que nunca leu, e apenas usa a alcunha de intelectual como uma espécie de vaidade. Discordo que existam pessoas assim, que se contentem apenas com uma falsa imagem de intelectualidade, mas penso que todas essas pessoas, geralmente jovens e/ou prematuros em sua busca pelo conhecimento, estejam apenas curiosas e impressionadas com o sem-número de saberes dos quais elas nem conhecem 1/100. Esse deslumbramento, muitas vezes infantil, pode muito bem se assemelhar ao deslumbramento que tu mesmo, intelectual douto, teve quando estava na infância do teu aprendizado. Impressionadas, muitas pessoas querem arrogar para si o triunfo de ter ler Hermann Hesse ou Sartre, mas não é porque elas o fazem, algumas vezes por orgulho de si mesmas, que isso as torna pseudointelectuais. Um verdadeiro pseudointelectual deveria se divertir de fazer os outros pensarem que ele de fato conhece o que não conhece, e para isso, meus amigos, é necessário grande esperteza e sabedoria.

Os pseudistas são pseudópodes: falta-lhes fixar o pé na terra e abandonar o terreno, muitas vezes aéreo, do ego. Ás vezes sou tentado a pensar que os mais críticos são os mais vaidosos, no sentido de que amam descrever e dissecar as coisas todas com o seu olhar, algumas vezes mau, outras vezes ambicioso, e quase sempre pretensioso. A crítica é uma pretensão e uma autopublicação, se pensarem bem. E me sinto tentado a reverter a magia contra o feiticeiro quando digo que esses críticos, que amam dizer a palavra ‘pseudo’, são os verdadeiros falsos: nunca vi uma verdadeira intenção de construir o saber, mas suas críticas são apenas destrutivas e infrutíferas; para legitimar algo que eles tomaram como exclusivo seu, alegam ser falsos todos os outros que poderiam se identificar com essa exclusividade-não-tão-exclusiva assim. Dessa forma, quantos ‘intelectuais’ não desmerecem a inteligência e as opiniões aos outros porque pensa e sente que apenas de si mesmo podem manar as verdadeiras conquistas de um autêntico intelectual? Ocorre muitas vezes a infelicidade desses infelizes encontrarem alguém que consegue fazer tanto, ou dizer tanto, quanto eles sem o esforço e o desprazer que eles mesmos sofrem. Esses, por não sofrerem e não suarem, são crianças brincando de serem sábios, não é mesmo? Pois os verdadeiros intelectuais sofrem para serem o que são e o que sempre foram.

Para finalizar, li recentemente em um blog a palavra “pseudojornalistas”. O suposto autêntico jornalista criticava esse jornalismo por não ser completo e por omitir (talvez na ótica do crítico) acidentalmente muitos detalhes do verdadeiro ser que Barack Obama é: retórico e vazio.

Não lhe tiro o direito de pensar o que quiser sobre Barack Obama, mas quem relegou a ele o direito de julgar como ‘falso jornalismo’ o trabalho de jornalista, esses profissionais e tão rodados quanto ele? Sério. Quem nos dá o direito de desmerecer e desclassificar o intelecto e o trabalho alheio, justificando tal como uma ‘crítica construtiva e justificada’?

E me pergunto mais: o que é um falso jornalismo? Jornal é uma espécie de revista que exibe fatos do dia-a-dia no mundo, certo? Notícias. Quem poderia escrever falsamente sobre fatos? Ah! E não vamos idealizar também o próprio papel do jornal:

- o jornal sim é um veículo de informações verídicas, mas desde quando essas informações não são filtradas de acordo com interesses de segundos (sendo nós os terceiros)? Afinal, jornal fala sobre o mundo, o país, a cidade, o estado: mas para alguém, e de alguma forma, e em alguns detalhes. Não é interessante fazer anti-propaganda de quem se admira, como os supostos pseudo-jornalistas, até porque, na verdade, se encararmos indivíduo por indivíduo, todos possuem dois lados: um repleto de defeitos e outro de qualidades. O suposto jornalista true falou sobre um presidente sábio, honesto, etc etc. Mas falou apenas de qualidades. Porque não listou os defeitos? Estes defeitos seriam facilmente encobertados por essas qualidades?

É preciso tomar cuidado com a crítica: pois há sempre aqueles que se regozijam muito em criticar negativamente, e são sempre aqueles que, em suas fantasias, se imaginam cumulados por uma honraria que é ter uma percepção mais apurada que a dos outros. Sempre para fora!

Surrealismo

Nunca compreenderei porque me atraio tanto pelo universo do sonho. Brincar de ser absurdo sempre foi algo semelhante a uma libertação. De quê? Do exercício sofrido de ser compreendido? ;) Acho que a matéria prima da poesia descansa nesse tipo de poço lodoso: a água das nossas emoções deixou que uma flor, ainda que seu perfume leve os homens à loucura, brotasse ali para ser colhida e cultivada. O próprio Rimbaud bebeu da seiva que alimentou esse vegetal, e o poder de sua alucinação o fez enfrentar o verdadeiro inferno em vida; Lautreamont, que ainda não li, recende a esse aroma. Acho que estou definitivamente na rota desses grandes assassinos da compreensão. Uma pena! (EU FUI IRÔNICO! :@)

Mas é claro que apenas um pouco de "desreglée" não seria o suficiente para Rimbaud arder em chamas (mas vocês arderão de raiva se eu me limitar a mastigar tudo o que sei e o que não sei).


"Na urna pesada em que deitava a cabeça
-E como a sentia sólida! - ouvi o barulho incoercível
Do mar. Então, pensando que fosse concha,
Levei ao ouvido a sua membrana ebânea e doce
E me deixei embalar pelos ruídos marítimos que dele imergiam.
Meu estômago doía, após ter mastigado as promessas
borrachudas que cismavam escapar entre meus dentes.
Tentando calá-las, batia com as mãos sobre a caixa
E meus pés, cada vez mais gelados, enterravam-se -
...medo que a caixa se rompesse e me tragasse para o céu líquido de mariposas! -
Onde eu não mais sabia onde e certamente havia qualquer coisa de denso e úmido.
- Um útero, encoberto de óvulos não fecundados como ovos de passarinho, e a caixa.
- Talvez ainda mais a tua foto, que repentinamente surgia,
Uma fotografia monocromática, de ti sorrindo e chorando,
lágrimas que lembravam a agonia de teleféricos
Vazios."


Ou ainda:

"Descascando tua alergia coronal, encontro uma pérola
Ela, multi-flor, ri histriônica quando a ponho a boca.
Tuas nádegas, perfeitas luas, remodelam qualquer coisa de purgatória.
Meus dedos, passeando e passeando, vagarosamente pelo teu seio
Desnudo e ereto por complicadas estruturas de argila...
Ah! Sinto o doce perfume da chuva, branca e de pérolas,
Entumescendo de orvalho negro as tuas pesadas pestanas!
E, carnívoro como a pétala daquela beladona com a qual nos embriagamos,
o devoro, até a medula mole e quente dos teus sonhos."

segunda-feira, 23 de março de 2009

Hoje não é o dia de se estar inspirado. Tentei duas vezes escrever um texto para ti, e não consegui. O primeiro começava assim "alegro-me de sermos opostos como gêmeos univitelinos", ou alguma coisa a ver com o nosso traço em comum: os olhos rasgados e expressivos como o de adolescentes sicilianos. Num outro eu deveria afirmar uma monstruosidade que se angustiava por não ser o centro das tuas atenções. Talvez eu não seja capaz de escrever nem um e nem outro, porque, mesmo opostos e semelhantes (simultaneamente), e mesmo que eu seja um monstro, não sou mais o mesmo monstro e não nos opomos mais da mesma forma.

Nós nos orgulhamos do nosso orgulho demasiado, da nossa teimosia e da nossa força. Temos um ascendente em comum que filtra a nossa personalidade, diversa entre si, mas conduzida pelo mesmo caminho, pelos mesmos obstáculos: domar o nosso ímpeto; crescer e auto-disciplinar.

Começo perceber onde o nosso grande e verdadeiro amor exauriu-se no sentido de que completou todas as tarefas possíveis, e onde ele agora carece atuar, onde ele precisa vencer. Precisamos vencer juntos, porque somos quase que a mesma pessoa, não fossem nossas polaridades opositoras.

Sim, somos muito opostos.

Onde teu egoísmo não atua, existe uma fidelidade, uma lealdade para com as pessoas que ama que nunca conheci antes. Tu é capaz de se colocar muito depois das vontades das pessoas, e isso não revela submissão, mas um afeto incondicional e lúcido, corajoso acima de tudo. Muitas vezes tu se decepciona porque não sente que é compensada com o que tu compensa. Não é retribuída.

Mas onde tu não é assim, um animal doméstico e preocupado, é como um felino isolado no âmbito dos teus desejos, e essa é a tua outra face: independente, um misto de maturidade e egoísmo infantil, convicção e um pensamento profundo e único sobre as coisas. É capaz de defender e argumentar sobre a tua própria autenticidade, e, tão afirmada sobre ela, raríssimamente te sentes ameaçada nessa questão.

Ama teus pais e me ama. E são pouquíssimos os privilegiados de compreender e viver esse afeto, a tua amizade. As pessoas que verdadeiramente o conhecem, longe dos domínios do social, percebem o quão preciosa tu é, o quão maternal e protetora, o quão engraçada e inspiradora, o quão dedicada e determinada tu pode ser. E ainda faltaria técnica e leituras para que eu pudesse te descrever perfeitamente, em todos os detalhes que simplesmente fico absorto em notar. Seria preciso revirar as memórias do teu crescimento que eu presenciei, pois apenas em uns poucos anos tu foi capaz de crescer e amadurecer muito, mas muito mesmo.

Lindíssima, talvez nunca me canse de notar o teu rosto e o contraste que ele cria em soma com a tua personalidade forte e conflituosa. A primeira coisa que notei foram os olhos, grandes e amendoados como os daqueles personagens de Alichino, sabe? Aqueles olhos de dolfie, que as pessoas dariam um braço para ter no rosto. Mesmo escuros, há um enorme contentamento em vê-los emoldurados pela sobrancelha, levemente arqueada, e pesados daquela maquiagem que o destaca como jóia sobrenatural. Logo depois pude perceber a proporcionalidade do teu rosto em relação ao que o compunha: uma medida exata e acertada, mas repleta de delicadeza. Tua pele um pouco mais pálida no inverno, mas morena e cheia de vitalidade no verão; teu nariz, um 'nariz de cleópatra' como já te disse, é reto e pequeno, sem ser arrebitado, mas tendo uma forma única e até um tanto européia: há uma muito, mas muito leve inclinação para baixo, apesar de ser durinho e sem quebras, que acentua esse teu lado italiano. A boca é pequena e fina, mas o lábio é ainda um pouco cheio e vermelho: de perfil, parece uma escultura de minerva. O queixo, saliente, é uma das coisas que mais gosto, porque ele quebra a sutil delicadeza do teu rosto e parece afirmar uma personalidade pouco graciosa, mas magnética. Tu realmente tem um magnetismo, querida. Um magnetismo que vai além do que tu é em rosto e códigos genéticos, que vai além da tua personalidade e da tua facilidade para expressar emoções e me deixar comovido.

Teu magnetismo, apesar de não ter nome e nem tem voz, ás vezes parece transbordar dos teus olhos quando me pede colo ou quando me chama para fazer algo divertido. É o magnetismo de quem olha com amor a criatura amada, e nada mais. É o magnetismo da tua convicção em saber quem é e com quem quer estar, onde quer estar e como quer estar.

Tenho muito orgulho de ti, sua baixinha >_<# E espero que tu tenha orgulho de mim, se não vou apagar esse post e te difamar.

Te amo.


No Túmulo de Salvador Dalí


"Mijei diante do teu túmulo

Onde Eles plantaram dois narcisos em flor

E a cascata dourada desse meu pesadelo

Regou os olhos vermelhos em botão

E as pétalas humanas de quem morreu sozinho e bêbado.

Ah! Morra tranqüilo, infeliz.

Onde os gafanhotos cavaram o féretro, repleto de folhas secas do céu.

Ah! Apodreça

Para que a marcha triunfal das formigas

Guarde o teu túmulo, destruído e repleto das cascas do nascimento do mundo.

E quem sabe o estreito onde afogaste o óvulo de tua mãe

Pereça, calmo na sombra ondulante dos teus bigodes."



O que significa isso? Afinal, tenho legítimo gosto por profanar até mesmo aqueles que foram os meus heróis? Andei relendo meu blog e percebi uma coisa: foda-se a genealogia.


Foda-se mesmo. Além de ser vaidoso e pedante, sou menos que todos o interessado em revirar os entulhos do meu passado. Foda-se o passado. Quero viver do presente e do futuro. Esquecer minhas raízes, esquecer seja qual for a medíocre origem que tive. Quero morrer. Porque morrer está no futuro, e quero chegar ao fim do meu futuro. Bem no fim.


Então estou encerrando prematuramente o texto. Não terá continuação. E esse encerramento também o será das minhas influências. Como o Naraku, em alguns dias do mês eu me livro de partes inúteis do meu corpo para me fortalecer (isso porque absorvo muitos corpos de youkais) *tri nerd*. Faço o mesmo com o que leio, e agora estou descartando aquilo que me é inútil: veneração submissa, afeto e patrono. Não quero ter pais. Quero ser livre de adorar esse bando de loucos. E isso serve para todos: Nietzsche, Rimbaud, Camus, Sartre, Perse, Benn. Todos eles me serviram muito bem enquanto pude sugá-los, mas agora: adeus. Sou um novo homem.


sexta-feira, 20 de março de 2009

OS MANEQUINS DE MUNIQUE

A perfeição é horrível, ela não pode ter filhos.
Fria como o hálito da neve, ela tapa o útero
Onde os teixos inflam como hidras,
A árvore da vida e a árvore da vida.
Desprendendo suas luas, mês após mês,
sem nenhum objetivo.
O jorro de sangue é o jorro do amor,
O sacrifício absoluto.
Quer dizer: mais nenhum ídolo, só eu
Eu e você.
Assim, com sua beleza sulfúrica, com seus
sorrisos
Esses manequins se inclinam esta noite
Em Munique, necrotério entre Roma e Paris,
Nus e carecas em seus casacos de pele,
Pirulitos de laranja com hastes de prata
Insuportáveis, sem cérebro.
A neve pinga seus pedaços de escuridão.
Ninguém por perto. Nos hotéis
Mãos vão abrir portas e deixar
Sapatos no chão para uma mão de graxa
Onde dedos largos vão entrar amanhã.
Ah, essas domésticas janelas,
As rendinhas de bebê, as folhas verdes de confeito,
Os alemães dormindo, espessos, no seu insondável desprezo.
E nos ganchos, os telefones pretos
Cintilando
Cintilando e digerindo
A mudez. A neve não tem voz.

(Sylvia Plath)

Convulsão elíptica de mãos
Na curva viva da carne
Palpitação de músculos e grito
Que escorre na parede nua.
Tecidos bárbaros
De ilusão, febre no impulso
De quem invade o abismo.
Mergulho; espelho líquido e negro
Vazio, tórax ribombante
Como a eletricidade.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Anamnese

A rua está em coma.

Sua face, convexa e semeada de estrelas,

Parece um túmulo de pirilampos.


Úmida, vejo a luz plástica desmanchando

Nela a mais viva lembrança de um espelho.


E o coração sobre o qual piso,

Artéria túmida e inorgânica

Deforma esse zumbido lento e humano de moscas.


Um lápis negro escoa

Na lâmpada seu mais pesado grafite

E traça veios de óleo frio sobre a lâmina

Meu peito

Arquejante, parece o alento pulmonar de um terminal

Indelével, estático, súbito.

E, como agarrado às veias de um passado histriônico,

Rio

Caudalosamente

Pelo Hiperespaço.




A Mariposa Trêmula


Na estase da asa nula, brota a onda e quebra

A sua elipse vítrea.

No pêndulo fino, a arquitetura da espera.

No ponteiro digital, o ritmo cardíaco,

Profundo e abrupto

Como quem olha uma gravura anciã.

Crisálida sintética de sentimentos reprimidos?

O dedo escorre magnético como a água

Nua e líquida

Pela superfície tímida de números.


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É provável que ninguém entenda a loucura desses versos. Foi uma experimentação que fiz da linguagem, tentativas de criar alguma coisa nova ou efeitos diferentes. Em Anamnese, é um clima notadamente cyberpunk, pela criação de um ambiente urbano (ainda que mascarado por um plano artificial de linguagem) e noturno e as menções de uma ligação com o terminal e o hiperespaço. Minha idéia para Anamnese é trabalhar imagens e a multiplicidade de sentidos que as combinações das palavras podem sugerir. Ambos são puramente formais.

No segundo poema me foquei na imagem de uma mariposa presa a uma lâmpada fria. As suas asas tremem, a cada instante, e esse efeito de asa "tremer" eu tentei criar através do uso de proparoxítonas e de palavras paroxítonas (vítreo, elípse...) que parecem executar uma 'quebra' dentro da leitura. Como no imaginário do oriente (e talvez do ocidente também) a mariposa é alguma espécie de pressentimento de morte, algo assim. Atrelei às 'batidas cardíacas' de suas asas o sentido do próprio tempo e da morte (ainda que tenha ficado muuuuuito enigmático). É um poema curto, e também foi pretexto para testar novas imagens e novas linguagens. Não tente identificar neles os sentidos, e nem se sintam ignorantes se não conseguirem ver o sentido que lhes atribuí. Minha técnica ainda carece de leitura e prática, e esses poemas são 'esqueletos' experimentais.

quarta-feira, 18 de março de 2009

(Continuação)

...Porque ignorava a vida que florescia em minha época e ao meu redor? Acho que isso fazia e ainda faz parte da minha estrutura, do meu caráter: eu sempre nego, eu sempre me afasto. Até então não sabia que me afastava de mim mesmo e que carecia de um grande amadurecimento, até mesmo para desenvolver alguma sensibilidade. Olhava maravilhado com as coisas antigas, entulhos de culturas e civilizações mortas: tudo esterilidade, tudo sonho. Eu sempre tive esse olhar apreciador de sonho e fantasmagoria; sempre fui atrás dessas coisas, como um biólogo de organismos que nunca mais procriarão sobre a terra. O passado dos gregos, os versos dos góticos, a ilusão ou a psicodelia dos simbolistas, dos orientalistas daquela Europa decadente, rumo ao otimismo da razão, tudo isso fazia parte de mim, ainda que agregados de afirmações que muitas vezes conflitavam, ainda que pequenas contradições das quais eu era ignorante, toda essa formação literária e artística foi puro amadorismo e vaidade.

Essa vaidade, de crer que qualquer época era mais alta e elevada que a minha, pode muito bem ser um subterfúgio que criei dentro de mim, inconscientemente. Queria, de uma forma velada, fugir dos meus problemas, fugir dos meus próprios conflitos com o mundo, com meus pais, fugir de um enfrentamento que definiria se eu era apto para defender minha própria liberdade ou não. Sobretudo queria fugir de mim. Estava tudo tão bom, tudo tão bem. Eu era um gênio, um gênio precoce. Escrevia poemas barrocos, ditos dificílimos. Lia Baudelaire e Rimbaud, e conhecia alguns truques de ‘Um Lance de Dados’, mas nada entendia, no âmago, que aquela arte era um grito humano, um movimento que viria a fazer parte de mim, que era suor e dedicação de um espírito preocupado, ou com o centro dos problemas do mundo, ou com o seu próprio epicentro. Agora, vendo melhor, percebo que nada daquilo fazia parte de mim. Eu fingia que lutava pela identidade e pela arte, que era um salvador, mas pff, que bobagem! Eu não compreendia que a maior reação estava dentro de mim, e entre mim e o verdadeiro espírito daquilo que chamo de arte.

Arte? Arte é beleza? É belo por quê? Essas perguntas surgiram dentro de mim quando li Nietzsche, pela primeira vez. A beleza em mim lentamente surgia, o amadurecimento da minha sensibilidade, como conseqüência de uma transformação: eu estava começando a pensar sobre mim, sobre o que era eu no meio daquelas letras, e o que era eu situado em minha época. Esse sutil mergulho na realidade é o início de um amadurecimento e também construção de um verdadeiro vínculo com a arte: antes meu senso crítico notava apenas os notáveis. Agora começava a absorver o meio, a decantá-lo pelo meu estilo e, antes de tudo!, pensar meu próprio estilo. Aos 18 para os 19, começava a pensar sobre a partícula verbo, a partícula letra. O que era aquele instrumento de comunicação? Como funcionava? Por quê? Qual era o impacto na cabeça das pessoas que o liam? “Arte? Arte é beleza? É belo por quê?”. Essas foram as perguntas que deram base ao meu senso crítico, que apenas aí começava a ganhar algum fôlego. Senso crítico para me posicionar diante de algo e identificar esse algo, mas para tanto era preciso que eu começasse a pensar sobre mim. Crítica, ao menos na arte, pra mim sempre tratou de um mergulho, como o mergulho de Rimbaud. Na própria Arte dei esse mergulho, do qual não voltaria o mesmo. Mais do que um mergulho no Inconsciente, ou num trago de veneno, estimulava uma percepção investigativa e o meu amor pelo sonho. Dessa vez era diferente.

Dessa vez o sonho não era um paraíso artificial, mas justamente um símbolo daquilo que eu era. Sonhos, como linguagem criptografada do ser? Freud aprovaria, com certa insegurança (porque ele mesmo desconhecia o verdadeiro inconsciente, o espaço infinito e negro que poderíamos comparar ao próprio universo), mas em mim, nessa época, já não precisava de sua aprovação. Eu estava adquirindo autonomia. Minha crítica começava a se desenvolver, ganhar forma, e os primeiros agrupados de músculos sobre esse esqueleto do onírico foi a psicanálise e um amor pela psicanálise. Estudei o que pude e comecei a treinar a minha percepção para as coisas que estão por trás das coisas. Paranóia, talvez. Esquizofrenia. Não sei. Mas cada vez mais em contato, não com pessoas, mas comigo mesmo, fui entendendo o funcionamento de todos os mecanismos com os quais me defendia e fui entendendo que, análogo a uma obra de arte, eu também era uma pintura! Eu estava emoldurado em minha carne, em meus desejos declarados, em minha aparência, nas minhas atitudes, e tinha por cores e traços aquilo que não mostrava, aquilo que era revelado apenas de mim para mim. Entendi, finalmente, que o ser humano é uma verdadeira peça artística, e que sua psique, dilacerada pelos preceitos morais, dilacerada pela época como Dionísio o foi pelos Titãs, é a obra em si: as cores, a textura do papel, os traços e as motivações grafadas seja em símbolos, seja em uma planície revolta pela tempestade; a psicanálise foi, ainda que estudada por superfície, o meu primeiro instrumento de investigação, antes de tudo, de mim mesmo. Baseava-se em uma honestidade sem precedentes, uma honestidade para comigo que me fazia admitir e buscar, mesmo que quebrasse a cabeça com enigmas, mesmo que resistisse às verdades, a causa e o efeito de tudo. Buscar causa e efeito e disciplinar meu olhar para ir, precisamente, àquilo que me instigava e bloqueava-me. (continua próximo post)

Intermezzo

É um puta parênteses, eu sei. Tava narrando sobre minha 'infância' literária, e de-repente posto um texto totalmente desvinculado. É algo que escrevi no impulso, sem me preocupar com linguagem alguma ou sem me preocupar em não ter linguagem (aliás, agora que percebi uma coisa importantíssima sobre linguagem e emoção, mas falo sobre isso num eventual post). Escrevi como um cronista desesperado, ou como um louco e suas epístolas de hospício. Leiam e digam-me se o odeiam o suficiente:

Quero ser um homem extremamente feio.

Do qual as pessoas não odeiem senão por não ser odiável e nem amável.

Quero ser médio, sem qualidades e nem defeitos. Meu único defeito é não ter grandes defeitos.

Quero ter uma fisionomia comum, não rir, nem ser debochado. Quero ser ignorante da tristeza, quero ter menos experiências e nem por isso viver no mundo da lua.

Minha alma não será complexa, será simples e legível. Todos poderão me analisar, mas nunca encontrar outra patologia que não a ausência de conflitos.

Aceitarei tudo. Nunca lutarei. Não serei romântico e nem idealista. Serei inimigo dos sonhos, da poesia, das artes. A tudo olharei ruminando como um búfalo, a boca gorda de pasto.

Engordarei ocioso, mas meu ócio nunca será louvável e nem exótico.

Não produzirei memórias sobre a terra, apenas histórias simples e comuns

Sem orgulho, apenas histórias de extensos e monótonos dias de trabalho

Onde um homem absolutamente normal e sem grandes antecedentes fez algo medíocre e dentro do esperado.

Não quero ser crítico nem quero aceitar incondicionalmente. Sou apenas um musgo, vegetal e repleto de oxigênio, beirando o cataclisma de todas as coisas, ignorante da existência das coisas.

Sou apenas um bicho, um animal sem pretensões. Que nem ao menos tenta ser despretensioso. Quero ser extremamente previsível e baixo. Banal. Extremamente banal.

Não sou natural e nem afetado, mas justamente o ridículo que vêm do equilíbrio de todas as coisas bestas.

Um equilíbrio falso e covarde, de uma arcada feia de dentes, de um coração pequeno e sem raízes fixadas que não em velhas promessas, derrotas e verdades. Cheio de raízes em um cristianismo desapegado, apagado e nu. Sem mistérios, sem segredos como se a vida fosse um papel à solta no vento da metrópole.

Eu quero ser odiado e amado, de forma que essas duas coisas se anulem e ninguém possa dizer mais nada.

Quero ser um silêncio, daquele que não devia estar e nem ser. Que ninguém sinta falta ou se dê pela presença.

Sutil e desengraçado. Não tenho bom humor e tudo o que faço é comer e dormir.

terça-feira, 17 de março de 2009

Lembro de que quando tinha uns 17 anos, queria escrever como Álvares de Azevedo. Não que eu tivesse qualquer tipo de atração por cadáveres e o mundo fantástico e sombrio, mas aquela linguagem, tão carregada de símbolos e de palavras estranhas, quase cerimoniais, me transportava para uma outra dimensão, paralela a nossa, esta mais pesada, menos efêmera, menos imprevisível e muito, mas muito mais bela.

Amava dizer "a lua era um rosto de mármore", e dar voz humana e fisionomia às coisas celestiais. Para mim, quando estava num humor menos acessível, o sol era um "astro gelado que morria na capa do crepúsculo", e essa transformação de "poente" para "crepúsculo" não era uma simples substituição de sinônimos, mas uma transfiguração de mim mesmo: eu desejava aprender essa nova linguagem, esse novo idioma, e fazer parte dessa comunidade.

Para mim essa comunidade era feita apenas por gênios, poetas, grandes homens e expoente da cultura, mas todos, com pouquíssima exceções, excomungados da sociedade, indiferentes e alvo de indiferença, incompreendidos, loucos, proféticos, excêntricos, doentes, problemáticos, rebeldes e suicidas. Era a "turma do fundão" dos gênios literários. É claro que Racine sentava na terceira fileira, mais à frente, ao lado de Moliére, duas cadeiras à frente de Shakespeare, muito atrás de Fagundes Varela e Homero. Dessa turma faziam parte: Álvares de Azevedo, Alfred de Musset, Baudelaire, Byron, Wordsworth, Junqueira Freire e Dante (pela criação do Inferno, o que o tornava membro dessa gangue seleta. A Shakespeare devia certa ousadia na linguagem para compor meus diálogos; a Goethe devia toda a inspiração de Mefistófeles, o verdadeiro e único Demônio que conhecia e admirava; A Musset pelas 'Confissões de um Filho do Século' e todo o cenário mórbido de uma França em estado de emergência após a tomada da Bastilha.

E eu fazia parte dela, timidamente, mas muito, muito atrás de todas essas grandes sombras, essas grandes projeções e grandes nomes. Eu não conhecia nenhum deles senão pelos versos, senão pela atitude, misto de romantismo e fábula, de doença e heroísmo. Eles eram anti-heróis para mim, ou melhor, heróis mesmo, porque aos meus 17 anos o mundo girava de ponta cabeça, girava ao contrário, como sempre foi tudo em minha vida.

Mais tarde me tornei um amante do classicismo. Homero, Hesíodo, Arquíloco, Anacreonte... passando para Sófocles e Ésquilo, contornando a semi-tragédia de Eurípedes, desembocando no Lácio e colhendo das terras italianas a mais fina flor da arte literária, com Virgílio, Horácio e Ovídio. Era o amor à cultura, e esse amor era uma tentativa, talvez mesmo inconsciente, mas ainda assim uma tentativa desesperada de me elevar da sombra, de aderir a uma nova comunidade que prezava pela disciplina que os meus antigos conterrâneos não valorizavam. Mais do que negá-los, eu queria agregar o mundo helênico, a sordidez romana, os deuses, os mitos pagãos, as danças ao redor do fogo, as orgias báquicas, os mistérios de Elêusis. Eu queria essa injeção de cultura, mas muito mais para firmar uma identidade respeitável, até certo ponto, do que por nutrir um amor diferenciado pela arte greco-romana. Não, não. Dos gregos eu tinha um respeito que teria por um pai, severo e áustero, repleto de brilho, coroado nos louros de um sucesso infinito que até hoje atravessa nossas gerações e nos inebria. Mas e não é que por trás desse amor fraco, dessa tentativa mal dissimulada de adquirir um 'diploma' eu não estava querendo disfarçar algo mais?

Meu horror a nossa realidade, sim. Os gregos enfrentaram tantos perigos, tanta miséria. Roma já viveu seus séculos negros, na mão de imperadores corruptos como Nero e Commodus, ou até mesmo um Calígula. Paris afundava-se no caos e no sangue, afogado nos entulhos de uma nobreza arrogante e de um feudalismo que só tardiamente foi ser deteriorado. E se todas as realidades em que sonhei, em que segui sonhando em meus textos, narrativas e poemas, foram tão terríveis e sofridas quanto a minha, porque é que eu sempre insisti nesse desagrado pelas coisas de que sempre compartilhei, desde que nasci? Porque cometi esse adultério de negar toda a vida presente e que florescia ao meu redor? (continua no próximo post)

Sou quase como o verso de um espelho
Imóvel e passivo e sem forças
Não atuo no mundo. O mundo atua em mim.
Sou objeto no flanco da onda, sempre no vai-e-vem da praia.
Não tenho orgulho. Sou fraco e gentil. Servil.
Sou submisso. Sou infantil com todas as coisas sérias, mas, sobretudo tímido.
Faço piada com a mera sombra dos gigantes, ás vezes para disfarçar essa timidez.
Danço sobre essas sombras, ás vezes as tomo como minha...
Tenho raiva dos donos das sombras. Os invejo e quero mal a eles.
Nunca vi a luz do sol. Tenho horror ao sol.
E mesmo que não tivesse, não sairia no sol e nem deixaria que você me visse.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Pulso

Meu estilo mudou, e muito. Este fim de semana foi bastante proveitoso para que eu me livrasse das influências de Demian, ou antes disso, apenas reatualizasse meu modo de escrever. Esbocei alguns poemas, escrevi descrições e me forcei a deixar uma linguagem típica de Hesse: outonal, branda e reflexiva. Pesquisei, li alguma coisa de Baudelaire, mas ainda assim digo que devo muito mais a Sylvia Plath do que Baudelaire (uma poesia que tem, sem dúvida, me deixado bem embasbacado).

Escrevi 'Pulso' numa tara meio cyberpunk. Como alguns já sabem, estou escrevendo algumas 'fics', ou se preferirem, novelas cyberpunk. Pessoalmente, acho que a linguagem, em todos os sentidos, poderia ser muito melhor trabalhada. A primeira novela foi feita quase que 'de qualquer jeito' com algum mínimo de esforço na produção. A segunda será maior (está atualmente com 28 páginas) e se deixei de escrever por uns dias foi para repensar melhor, não só o meu estilo, mas a história, o curso e o enredo que ela tomava.

Minhas idéias iniciais sempre foram estas: uma linguagem cinematográfica e frenética, rápida e incompleta, repleta de imagens e sonoridades. Isso é tão difícil! É tão difícil pensar em tudo enquanto se escreve, porque escrever exige também um certo prazer da continuidade, do impulso de sair escrevendo e imaginando. Planejar me chateia, e talvez seja por isso que goste tanto de poesia: posso me esforçar, mas sem escrever muito. Os poemas saem ora curtos, ora longos, mas nunca é chato agrupar algumas palavras e escolher outras.

Escrevi três ou quatro poemas que postarei nas próximas sessões, e talvez em algum outro site (ou blog) publique na rede as partes das novelas (até mesmo para que vocês possam criticá-la e melhorá-la).

Pulso

"Meu pulso, este arame trêmulo que sangra
O verbo de uma língua inumana
Meu pulso hoje, frio, e, no entanto, sobrecarregado de frêmitos
Quase o vejo vazando no cristal do mais vivo sonho.
Meu pulso, implosão de protótipos de conceitos
Verdade nula? Incertezas nuas
Na faca que rasga um céu grávido de diamantes.
Meu pulso é esse passo
Mais largo que a sombra de Deus."


Otimismo?

O otimismo é mesmo um sinal de decadência, ou tudo isso é um sinal de que estou me transformando em um velho. Costumo ter aulas na faculdade de educação, e sentir nojo do perfil de aluno que anda por lá: esquerdistas, pseudo-reacionários, anti-petistas (alguns), marxistas, humanitários, descolados, burgueses. Eles são otimistas, sim: gostam de “levantar a moral”, dizer que tu vai ficar bem, que a “voz do povo é a voz de Deus”, mas cá entre nós: Deus nunca teve um hálito tão fedorento de cigarro!

Eu volto a insistir que o otimismo é um sinal de decadência, mas talvez esse meu pensamento seja bastante negativo e mau, e esteja eu lentamente caindo para o fundo do poço. Que espécie de fundo do poço é esse: moral ou físico (ou financeiro)? Não sei. Talvez a minha vontade esteja me abandonando? Talvez eu esteja saturado dela? Sou forte ou sou fraco? Estando tão propenso a me sentir pessimista, vou aplicar esse pessimismo contra os próprios conceitos de pessimismo e otimismo. Concordem ou não.

Costuma-se pensar que o pessimismo é um atributo de gente fraca (atributo porque atribui a ela certa incapacidade de escolher por achar que “tudo dará errado”). Em contrapartida diz-se que o otimismo é um sinal de pessoa forte, porque independente da situação, ela sempre será confiante e determinada de que tudo dará certo. Podemos, aqui, concluir então que o pessimismo é uma espécie de incredulidade de si mesmo e das coisas (de que elas podem dar ‘certo’, uma espécie, não de insegurança, mas de desistência das coisas por desacreditar em seu sucesso), enquanto que o otimismo é uma quase-certeza de que todas as coisas, estejam elas ruins ou boas, podem dar certo dado a simples existência de uma margem de acerto (seja ela menor que um grão de areia).

Do Wikipédia temos as seguintes definições de um e outro:
No senso comum, pessimismo é “um estado de espírito contrário ao otimismo, que se caracteriza por se ver as coisas sempre pelo lado ruim. Segundo o dicionário Aurélio, em sua versão eletrônica, pessimismo é a "disposição de espírito que leva o indivíduo a encarar tudo pelo lado negativo, a esperar de tudo o pior".
Na filosofia, pessimismo é “caráter das doutrinas metafísicas ou morais que afirmam a supremacia do mal sobre o bem e costumam levar à adoção de uma atitude geral de escapismo, imobilismo ou conformismo, quer seja o mal considerado a privação dos meios de conservação da vida (alimentação, abrigo, etc.), quer seja considerado a privação dos meios de expansão e desenvolvimento espiritual."

Não são definições estranhas a nós. Quanto ao otimismo:

Otimismo é a disposição para encarar as coisas pelo seu lado positivo e esperar sempre por um desfecho favorável, mesmo em situações muito difíceis.

Na filosofia, o otimismo (pensado por Leibniz) é uma conciliação de um máximo de bem com um mínimo de mal num mundo criado por Deus (e assim possível porque foi criado por Deus). Mais tarde o otimismo refere-se a um estágio em que a sociedade humana regeria a matéria e suas leis apenas através da razão, substituindo mesmo a força e a violência.
Há ainda estudos que dizem que o otimismo está vinculado ao sistema imunológico, à auto-estima, e a uma série de coisas até bastante fisiológicas.

Mas eu não deveria ter parado por aqui, retido para mim essa idéia insana? Como poderia o otimismo ser um sinal de decadência se ele é característico de pessoas mais fortes, resistentes, amantes de si?

Antes de levar essa idéia para frente, não tenho vergonha de admitir que seu pensador original é Nietzsche, filósofo do século XIX e que nada tenho de autoria sobre essa condenação do otimismo, senão pela própria condenação também do pessimismo. Qual meu objetivo? Bater-me contra Pessimismo e Otimismo e depois nada? Apenas satisfazer uma vaidade, uma fantasia de lutar contra a sombra dos grandes? Quero expressar alguns pensamentos a respeito das idéias de Nietzsche e do que vejo no meu dia-a-dia.

Voltando...

Agora que temos firmado alguma conclusão de um e outro (o que é pessimismo e otimismo), podemos jogar com essas definições e refletir em cima delas.

Normalmente vejo, na Faculdade de Educação, aquelas pessoas gritando frases de efeito, falando em anarquismo, marxismo, alto-astral, vida, perigo, aventura, “lutar contra a alienação”, e simplesmente não entendo que espécie de atitude é essa, misto de otimismo e romantismo, de idealismo e de fantasia, tudo muito jovem e ingênuo. Acho a mais patética ingenuidade essa atitude da juventude de hoje, que faz com que eles levantem cartazes dizendo que “os anarquistas saúdam os bixos”, que “os marxistas defendem os direitos do homem”. Não gosto quando batem nos tambores e fazem festas na frente de um grupo de prédios que deveriam ser um santuário para se adquirir conhecimento. Odeio quando batem nas portas e seguem correndo, como um bando de crianças hiperativas que se largaram da babá da creche. Tenho vergonha de todos, que parecem tão infantis em coisas em que me sinto tão idoso. Eles são otimistas nessa atitude, e sabem por quê? Por que ignoram a verdadeira extensão dos problemas do mundo.

Otimismo é bem isso: um totem de falsa força e falsa vitalidade. “Mesmo em situações difíceis, onde não há chances, eles acreditam que dará certo”. Para mim otimismo é escapismo. Acho engraçado que as pessoas mais otimistas são as que mais voluntariosamente se alienam, para sustentar suas crenças de que elas possuem controle sobre seus próprios destinos. Cruzam os dedos, pensam positivo, mas sempre sinto um cheiro de medo no ar. Elas tremem embaixo dessa capa de falsa determinação. Elas falam em força, quando em seus corações só há fraqueza: uma fraqueza semi-consciente, de quem dorme para sonhar com um amanhã menos deprimente. Um otimismo não-lúcido, um sonambulismo da força. O otimismo não é uma infantilidade, mas uma pré-adolescência: eles renegam a responsabilidade de ver, vocês me entendem, e suportam, também conformados, a íntima idéia de que não possuem nada senão aquela falsa crença de que as coisas podem dar certo.

Otimismo é uma carência de ânimo. Otimismo surge da necessidade de se acreditar em alguma coisa boa e iminente. Na necessidade de acreditar, porque é difícil suportar o sofrimento análogo a vida. Viver é sofrer. É sofrer desapontamentos, sempre. É sofrer injúrias, machucados, muitas vezes sem anestesia. Otimismo é anestesia. Otimismo é um drama Cult de grandeza. A quem os otimistas querem convencer? A si mesmos? Engraçado que todos têm um timbre de voz alto e sonoroso, falam para fora, com determinação, e penso que é necessária toda a boa retórica para que seus próprios corações sejam persuadidos.

Por outro lado simplesmente não posso aceitar o pessimismo. O pessimismo também é insuficiente e doentio, porque ele se conforma, ele não luta, ele é passivo, ele é infantil como uma criança que relega aos pais a tarefa de resolver-lhe todas as coisas que afligem. Pessimismo é, muito antes de ser um verdadeiro sentimento de derrota e imobilidade, um sentimento de fuga: vejo os pessimistas como aqueles que apenas querem fugir da responsabilidade. Atestam que viver é sofrer, não sem razão, mas nada sabem ou nada desejam saber dos propósitos desse sofrimento. Apenas justificam. Justificam, com suas feridas, uma má vontade sobre as coisas, sobre tudo. Dizem que sofreram muito, e para eles, na verdade, o maior sofrimento é lutar e não serem machucados. Ferem-se, muitas vezes, e ferem aos outros porque querem mostrar que a vida não vale a pena. Enquanto os otimistas gritam “vida” na ânsia desesperadora de fugir da morte, os pessimistas aceitam a morte não como homens, mas como crianças que apenas optam pelo caminho mais fácil.

Estou cansado de pessimistas e otimistas. Não sei quanto a vocês, mas quero um novo pessimismo, um novo otimismo. Quero um novo tipo de homem, um novo patamar, uma nova atitude.

E como pensaria nessa nova atitude, nesse novo conceito e patamar? Penso em alguém que compreenda a verdadeira natureza das coisas, que seja lúcido, acima de tudo lúcido de que a vida está direcionada para a morte, de que o sofrimento muitas vezes não tem compensação, de que as coisas nem sempre terão um lado positivo. Lúcido e altivo, arrogantemente estufa o peito e olha bem nos olhos das coisas e percebe que talvez nada tenha salvação. Que talvez suas forças não sejam suficientes, que nada seja o suficiente. E luta. Luta como um otimista faria, mas com força redobrada e coragem triplicada. Luta, não porque quer necessariamente ter algo ou vencer alguém, mas principalmente porque quer vencer um obstáculo que é a sua própria limitação, que é ele mesmo. Luta porque todas as coisas no mundo lhe parecem familiares, lhe parecem parte de si. Sua auto-estima não enaltece apenas suas qualidades, mas também seus defeitos, principalmente seus defeitos. Vê em seus defeitos algumas peculiaridades e possibilidades de bater-se consigo, sempre e sempre. É uma atitude de quem vive em conflito, não com o mundo, mas consigo. É outra atitude pessimista, porque está saturado de força e vitalidade e deseja algo maior que ele mesmo, algo que ele não possa alcançar pela força humana, pelos recursos, pela mortalidade: ele quer algo que esteja acima, ele quer sofrer, porque entende, mesmo que no íntimo, que apenas pelo sofrimento se glorifica a vida.