Anamnese
A rua está em coma.
Sua face, convexa e semeada de estrelas,
Parece um túmulo de pirilampos.
Úmida, vejo a luz plástica desmanchando
Nela a mais viva lembrança de um espelho.
E o coração sobre o qual piso,
Artéria túmida e inorgânica
Deforma esse zumbido lento e humano de moscas.
Um lápis negro escoa
Na lâmpada seu mais pesado grafite
E traça veios de óleo frio sobre a lâmina
Meu peito
Arquejante, parece o alento pulmonar de um terminal
Indelével, estático, súbito.
E, como agarrado às veias de um passado histriônico,
Rio
Caudalosamente
Pelo Hiperespaço.
A Mariposa Trêmula
Na estase da asa nula, brota a onda e quebra
A sua elipse vítrea.
No pêndulo fino, a arquitetura da espera.
No ponteiro digital, o ritmo cardíaco,
Profundo e abrupto
Como quem olha uma gravura anciã.
Crisálida sintética de sentimentos reprimidos?
O dedo escorre magnético como a água
Nua e líquida
Pela superfície tímida de números.
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É provável que ninguém entenda a loucura desses versos. Foi uma experimentação que fiz da linguagem, tentativas de criar alguma coisa nova ou efeitos diferentes. Em Anamnese, é um clima notadamente cyberpunk, pela criação de um ambiente urbano (ainda que mascarado por um plano artificial de linguagem) e noturno e as menções de uma ligação com o terminal e o hiperespaço. Minha idéia para Anamnese é trabalhar imagens e a multiplicidade de sentidos que as combinações das palavras podem sugerir. Ambos são puramente formais.
No segundo poema me foquei na imagem de uma mariposa presa a uma lâmpada fria. As suas asas tremem, a cada instante, e esse efeito de asa "tremer" eu tentei criar através do uso de proparoxítonas e de palavras paroxítonas (vítreo, elípse...) que parecem executar uma 'quebra' dentro da leitura. Como no imaginário do oriente (e talvez do ocidente também) a mariposa é alguma espécie de pressentimento de morte, algo assim. Atrelei às 'batidas cardíacas' de suas asas o sentido do próprio tempo e da morte (ainda que tenha ficado muuuuuito enigmático). É um poema curto, e também foi pretexto para testar novas imagens e novas linguagens. Não tente identificar neles os sentidos, e nem se sintam ignorantes se não conseguirem ver o sentido que lhes atribuí. Minha técnica ainda carece de leitura e prática, e esses poemas são 'esqueletos' experimentais.
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