Meus queridos amigos, vocês interpretam muito mal a decadência, o pessimismo. Aliás, entendo que vocês gostem de, em suas palavras, enaltecer o sofrimento, mas acho que estou cansado do modo como vocês fazem parecer o mundo um palco de lágrimas; muito moroso, muito lento, muito submisso. Meus queridos amigos, vocês são demasiadamente fracos para mim. Minha força, ao contrário da de vocês, é maior que a de um deus, e não seria exageradamente hiperbólico comparar-me ao titã Prometeu. Sim, eu roubei a chama, mas ao invés de dá-la aos homens, incendiei o éter e prostrei o próprio Zeus. E vocês? O que fariam delas? Um féretro, uma angústia, um holocausto de velhas recordações.
Vocês são fracos, e eu estou cansado, cansado demais do luto. Também não quero esse otimismo vil e falso. Quero outra coisa, outra que seja mais digna das minhas condições supra-humanas. Não sou exatamente um deus, mas algo semelhante a um animal com status de deus. Sou um animal divino, e se me vissem, amigos, eu lamentaria ter de destroçar-lhes as costelas e beber de seu sangue. Seria aprazível para o meu paladar acostumado ao fel dos seus poemas.
Eu berraria, sim. Urraria. Potente como o trovão, balançaria as copas das árvores e revolveria seus intestinos. Odeio a falsidade e a nobreza. E odiando, assim, também a arte, pergunto a vocês: porque elevam-se pelo sofrimento? Não seria mais insensato e cruel serem os causadores dele? Não estaríamos em condições mais deliciosas sendo os carrascos de nossos carrascos? Eu proponho um novo caminho, este mais cruel e prazeiroso, mas para tanto, meus queridos amigos, será preciso que vocês sirvam de alimento, de alimento para esse caminho, de adubo para essas novas flores venenosas, carnívoras, exóticas e feias. A beleza está na suprema agressividade de seus traços assimétricos, de suas corolas azuis e seus cálices repletos de ungüento. Louvemos o sol que castiga nossa pele e acobreia o fundo dos nossos olhos com a sua chama destrutiva. Eu romperei minhas correntes e ofertarei, pessoalmente, meu rim aos criminosos.
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Num mundo onde a valentia prometéica é quimérica, reconheço-me como mais um entre milhões de meros abutres que nada seriam sem o suplício de outrem.
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