terça-feira, 17 de março de 2009

Lembro de que quando tinha uns 17 anos, queria escrever como Álvares de Azevedo. Não que eu tivesse qualquer tipo de atração por cadáveres e o mundo fantástico e sombrio, mas aquela linguagem, tão carregada de símbolos e de palavras estranhas, quase cerimoniais, me transportava para uma outra dimensão, paralela a nossa, esta mais pesada, menos efêmera, menos imprevisível e muito, mas muito mais bela.

Amava dizer "a lua era um rosto de mármore", e dar voz humana e fisionomia às coisas celestiais. Para mim, quando estava num humor menos acessível, o sol era um "astro gelado que morria na capa do crepúsculo", e essa transformação de "poente" para "crepúsculo" não era uma simples substituição de sinônimos, mas uma transfiguração de mim mesmo: eu desejava aprender essa nova linguagem, esse novo idioma, e fazer parte dessa comunidade.

Para mim essa comunidade era feita apenas por gênios, poetas, grandes homens e expoente da cultura, mas todos, com pouquíssima exceções, excomungados da sociedade, indiferentes e alvo de indiferença, incompreendidos, loucos, proféticos, excêntricos, doentes, problemáticos, rebeldes e suicidas. Era a "turma do fundão" dos gênios literários. É claro que Racine sentava na terceira fileira, mais à frente, ao lado de Moliére, duas cadeiras à frente de Shakespeare, muito atrás de Fagundes Varela e Homero. Dessa turma faziam parte: Álvares de Azevedo, Alfred de Musset, Baudelaire, Byron, Wordsworth, Junqueira Freire e Dante (pela criação do Inferno, o que o tornava membro dessa gangue seleta. A Shakespeare devia certa ousadia na linguagem para compor meus diálogos; a Goethe devia toda a inspiração de Mefistófeles, o verdadeiro e único Demônio que conhecia e admirava; A Musset pelas 'Confissões de um Filho do Século' e todo o cenário mórbido de uma França em estado de emergência após a tomada da Bastilha.

E eu fazia parte dela, timidamente, mas muito, muito atrás de todas essas grandes sombras, essas grandes projeções e grandes nomes. Eu não conhecia nenhum deles senão pelos versos, senão pela atitude, misto de romantismo e fábula, de doença e heroísmo. Eles eram anti-heróis para mim, ou melhor, heróis mesmo, porque aos meus 17 anos o mundo girava de ponta cabeça, girava ao contrário, como sempre foi tudo em minha vida.

Mais tarde me tornei um amante do classicismo. Homero, Hesíodo, Arquíloco, Anacreonte... passando para Sófocles e Ésquilo, contornando a semi-tragédia de Eurípedes, desembocando no Lácio e colhendo das terras italianas a mais fina flor da arte literária, com Virgílio, Horácio e Ovídio. Era o amor à cultura, e esse amor era uma tentativa, talvez mesmo inconsciente, mas ainda assim uma tentativa desesperada de me elevar da sombra, de aderir a uma nova comunidade que prezava pela disciplina que os meus antigos conterrâneos não valorizavam. Mais do que negá-los, eu queria agregar o mundo helênico, a sordidez romana, os deuses, os mitos pagãos, as danças ao redor do fogo, as orgias báquicas, os mistérios de Elêusis. Eu queria essa injeção de cultura, mas muito mais para firmar uma identidade respeitável, até certo ponto, do que por nutrir um amor diferenciado pela arte greco-romana. Não, não. Dos gregos eu tinha um respeito que teria por um pai, severo e áustero, repleto de brilho, coroado nos louros de um sucesso infinito que até hoje atravessa nossas gerações e nos inebria. Mas e não é que por trás desse amor fraco, dessa tentativa mal dissimulada de adquirir um 'diploma' eu não estava querendo disfarçar algo mais?

Meu horror a nossa realidade, sim. Os gregos enfrentaram tantos perigos, tanta miséria. Roma já viveu seus séculos negros, na mão de imperadores corruptos como Nero e Commodus, ou até mesmo um Calígula. Paris afundava-se no caos e no sangue, afogado nos entulhos de uma nobreza arrogante e de um feudalismo que só tardiamente foi ser deteriorado. E se todas as realidades em que sonhei, em que segui sonhando em meus textos, narrativas e poemas, foram tão terríveis e sofridas quanto a minha, porque é que eu sempre insisti nesse desagrado pelas coisas de que sempre compartilhei, desde que nasci? Porque cometi esse adultério de negar toda a vida presente e que florescia ao meu redor? (continua no próximo post)

Um comentário:

  1. Li isso e o post de baixo :D cool, Duda.
    Bom que tu tá pensando naquilo que a gente flw e panz, e escrevendo bastante também. >_<#

    Quero ver a continuação heim '-'
    Te amo muito, seu cafaJeste #D

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