segunda-feira, 4 de maio de 2009

Curiosidade

"Estava sentado diante de dois outros jovens. Eles diziam que eram poetas, e assim aclamavam-os. Nessa pequena roda, perguntei o que os motivava a escrever poesia. Uma garota respondeu:

-"Nasci perdida, e a poesia me reencontra no cosmo. Talvez um pouco de mim ainda viva na natureza exótica, nas árvores antigas, nas peônias orientais, no pôr-do-sol sobre o cais, nas viagens às escondidas para a Europa, para a Turquia, para o leste da Ásia, para as ruínas de antigos palácios e lembranças. A poesia vibra em mim como uma vida latente, minha boca quer comer tudo o que dela frutifica, mesmo da árvore proibida, mesmo que seja oriundo das sementes dessa árvore. Estou ensandecida, estou maldita, mas percorro, em busca do amor supremo, mas percorro, sim, esta vida, a poesia é esse caminho nas trevas relampejado pela Iluminação. Acho que nasci das trevas, mas alguém poderia ver que sou, na verdade, um anjo? Um anjo feito de madrepérola, de mármore enriquecido com o toque da escuridão. Meu coração é de metal, mas pulsa sangue quente e vital."

O homem disse, após assentir com a cabeça:

-"Canto sobre a decadência do ser. O ser está decadente; é egoísta, é vil, é pusilânime. O ser está morrendo. O apocalípse se entrevê nas bordas do manto da história, da história que chega ao pé dos nossos ouvidos. Estamos alienados, creio. Alienigenados, criogenados, paralíticos. Canto sobre o sono, versifico sobre a morte. É tudo o que resta. O mundo precisa acabar, para que recomece um novo, onde tudo será permitido: entorpecentes, bebidas, religiões mortas, latim viscerado. Eu estudei latim na escola: vini, vidi, vinci. É o meu lema. Viver para a morte. Fui a ela. A vi. A venci. Gosto de dizer como o sopro mórbido e gelado do inverno roça no Sena, e como Paris afunda nas asas de um cisne, morrendo, morrendo, morrendo na boca famigerada do crepúsculo, sangrenta, amorfa. A poesia é a expressão da pestilência moral. Moral mesmo. Vamos nos curar da peste: morrendo."

Por fim perguntaram-me o que eu achava sobre tudo isso, e quais eram as minhas motivações.

"Não sei por quê escrevo. Talvez apenas para fantasiar a grandeza. Costumava achar que havia um gênio submerso dentro de mim, e eu apenas precisaria agitar o meu corpo para que ele transbordasse pelas palavras. Eu me achava um gênio. Achava que deveria guardar qualquer coisa que escrevesse, porque um dia, pelo simples fato de utilizar um vocabulário empolado e antigo, essas porcarias seriam guardadas e compiladas em um livro especial sobre minha trajetória. "Os esboços de um jovem genial". Pff, que bobagem. Eu me envergonho de escrever poesia. Ninguém deveria me chamar de poeta. Nem escritor. Soa como se eu fosse um otário qualquer. Na verdade não sei se o que escrevo é poesia. Talvez seja invenção. Eu acho que vivo no meu próprio mundo, diferente do da realidade. Talvez não sejam versos, mas a desconexão de uma mente esquizóide, um colapso autista. Não sou louco. Antes fosse, e então seria especial, quem sabe. Não sou. Sou comum, e nem conhecerei nada que não seja. Acho que estou preso na massa, e sou como a massa: fragmentado, diluído e alienado. E eu gosto disso. Acho que ela me protege, e assim o faz com vocês. Eu costumava pensar que tinha nascido para ser grande, e então percebi que havia caído em uma teia de ilusões: eles querem que eu pense que serei grande, e enquanto alimentar esses hábitos aparentemente anormais, e enquanto pensar que sou um pouco acima da média, eles estarão fazendo a manutenção da mídia, das modas, das coisas que parecem de gente especial mas que fazem parte do rebanho. Sou rebanho e até sei mugir. Acho que a poesia é coisa de rebanho. Se eu realmente a compreendesse, pararia agora de escrever. Poesia não se escreve. Se eu fosse mesmo um poeta, não aguentaria viver. Alguns simulam suicídio, alguns escrevem livros, mas eu não sou poeta, exatamente como todos eles. Sou um suicida, sou um cara leviano que faz muito caso de pouco. Tempestades em copos d'água, já viu? Eu sou assim: tremendamente ingênuo"

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