Meu post será simples.
Hoje estive pensando: porque nós, privilegiados, quando descobrimos uma coisa fantástica (um poema, um romance, qualquer coisa fantástica e de cunho cultural) passamos a repudiá-la quando esta se torna objeto de afeição pelas massas? Nós, que ousamos nos considerar artistas, isto é, pertencentes a um círculo muito restrito e privilegiado, porque nós nos sentimos desconfortáveis?
Isso me parece o amor-próprio, a vaidade, a presunção, a ingenuidade, a imaturidade falando mais alto que aquilo que nos (supostamente) presenteou com as suas reflexões e com sua beleza. Pois, se somos tão gratos e admirados daquele poema magnífico, porque desejaríamos privá-lo do contato com as outras pessoas, numerosas e não tão privilegiadas? Se o poema nos enriquece, porque desejaríamos o contrário do enriquecimento nas outras pessoas? Elas são inferiores? Por quê?
Não me levem a mal. Ou melhor: me levem. Sim. Me levem muito a mal, porque eu quero soar desconfortável onde vocês não deveriam achar desconfortável. Minha visão pode parecer facediana, antielitista, mas e daí? Acho que vocês precisam refletir...
Se partimos do pressuposto de que a arte é a nossa cultura, é a nossa tradição, é o nosso passado cultural; de que a arte enriquece, de que a arte (a alta arte) exige estudo, compreensão, sensibilidade; se partimos do pressuposto de que a arte, em sua mínima recepeção, é altamente benéfica, e em sua máxima puramente beneficiosa, eu pergunto porque nos é tão caro essa insígnia distintiva, essa restrição. Porque ela perderia seu valor ante a nós se elas fossem amplamente divulgadas e adoradas. Não conheço nenhum autor, nenhum poeta, por maior que seja, que não gostaria de ser mundialmente reconhecido, seja pela massa ou pela crítica. O alto poeta, que reconhece seu valor, não ficaria maravilhado se seus incompreensíveis versos fossem idolatrados? Não lhe pareceria óbvio o sucesso de sua auto-expressão? Ou não pareceriam aos sociólogos, aos pensadores, óbvio o crescimento nos índices de alfabetização, educação, instrução (ou por outro viés, uma baixa no preço dos livros, uma maior derrocada do conhecimento e preciosismo da arte). Se partirmos desses pressupostos, compreenderemos em nós mesmos algo que tentamos negar: nossa vaidade. E não se trata da vaidade do homem confiante, que se cuida, se preza, sabe seu valor e o cultiva. Não. Para mim é a vaidade do homem mesquinho, que querendo disfarçar sua pequenez, ou deixando que o seu amor próprio se eleve e obscureça o amor à arte, perceba com um olhar mal todo aquele que pode vir a degradar seu status quo de "homem diferenciado". É isso que eu percebi em mim: esses dias estava lamentando que coisas que eu gosto, livros e etc, estejam se popularizando. Mas acho que minha cabeça mudou. Hoje mesmo sonhei com uma utopia. Vocês querem ouvir sobre ela?
Dante abriria as comportas dessa Utopia. Partindo de Dante e do Inferno, as pessoas cada vez mais iriam buscar os textos clássicos e haveria um maior interesse pelo passado literário do ocidente. Chegariam à Virgílio, depois iriam para Homero. Haveriam impressões em versos e as pessoas talvez sentissem curiosidade por textos menos desintegrados. Isso seria um aumento no índice de alfabetização, onde os livros chamariam as pessoas pelo mesmo motivo que eu abomino: status, imaturidade, vontade de ostentar. Os livros ganhariam um certo destaque, porque apesar dos filmes cult serem populares, todos sabemos que a linguagem do livro força mais o leitor que a linguagem do cinema. A imagem produz um efeito mais imediato, e muitas possibilidades de reflexões acabam se perdendo na condensação das obras filmográficas (não desconsidero a importância do cinema. O cinema tem sua própria linguagem, suas próprias técnicas e estéticas, e filmes altamente reflexivos).
Mas sim, os motivos que abomino seriam esses: ostensividade. As pessoas veriam o livro como algo antigo, algo de distintivo, e ele realmente poderia ser visto assim. As pessoas estão cada vez mais se interessando pelo passado, por idéias antigas, por coisas que delineiam, aos olhos das outras, mais berrantemente uma personalidade. Se a mídia se aproveitasse disso, poderia fazer com que as pessoas realmente pensassem que o livro é uma espécie de moda, uma moda do intelectualismo, do homem que se informa e que medita sobre coisas, que vai aos museus, que lê artigos sobre o impressionismo francês.
Todavia essa imaturidade, com o tempo, poderia acabar em duas coisas: ou, por culpa da mesma mídia, o livro cai de novo no obscurismo (o livro da "alta literatura") e volta a ser coisa do passado, ou as pessoas acabam superando a imaturidade e acabem descobrindo (pelas próprias leituras) que aquele prazer que tiveram é algo só delas e tão delas que não poderia ser ostentado sem que isso perdesse seu significado.
Com um aumento no índice de leitores teríamos mais autores. Concordam? Teríamos mais críticos, mais artistas, mais pessoas para fazermos diálogos. Mais pessoas, mais leitores, mais autores são igual a um sistema literário (como Antônio Cândido o pensou) mais forte, melhor definido e mais heterogêneo ainda. Teríamos muitas coisas, teríamos maiores importações de livros que nem sonhamos existir. Teríamos mais arte, mais poesia, e talvez a literatura se revitalizasse justamente pelo meio mais sedutor e mais nojento: a vaidade. Deveríamos deixar que as pessoas tomem nossos queridos clássicos para si, que falem deles, que viagem sobre eles, que leiam, que ostentem... porque é essa a infância dos leitores, é essa a infância dos poetas, dos escritores, dos artistas. Precisamos respeitá-las e estimular nessas pessoas a evolução, precisamos esquecer as diferenças que nós, privilegiados, TÃO ARBITRARIAMENTE impomos. São diferenças basicamente temporais e financeiras. A massa da população brasileira nasce sem boa instrução. Nós, filhinhos de papais, nascemos para sermos nobres entre as pessoas, para termos boas condições de vida e bom conhecimento da nossa cultura. Nascemos quase que para sermos os guardiões da cultura e da boa educação, da boa instrução. E o que fazemos? Vejo muito dos nossos jogar o dinheiro fora com drogas, com porcarias, com leviandades. Queria que os números de autores se multiplicassem, e os de leitores também. Os artistas seriam em maior número. Não haveria elitismo, mas como recompensa teríamos maior trânsito, mais idéias, evoluções, experiências, diálogos...
O que me dizem vocês?
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faz sentido, mas acho que na prática, aconteceria outra coisa.
ResponderExcluirlogo no começo do post, eu me lembrei da aula de comunicação comparada em que o prof. falou que a classe média, não elite, gosta de ter um produto de diferenciação.. a classe média não consome a cultura elitista pq nao tem repertório, mas tbm nao quer consumir a de massa pq não se ve como tal... aí eles criam midcult (é um termo próprio).. tipo, a classe media nao entende mto de musica erudita, mas ela tem seu pavarotti e bocelli... e quanto mais vc procura alguma coisa diferente, q ngm conhece, é justamente pra efeito de distinção.. é essa fuga de se tornar massa... quando tal elemento de apreciação seu se torna massivo, vc o despreza pq ele nao o qualifica mais como alguém a parte...
essa é uma versão classista. apesar de eu nao curtir essas reflexoes, eu acho essa relevantemente considerável..
enfim.. barateamentode livros ja aconteceu e ja acontece. existem milhoes de classicos sendo vendidos a 9, 10 reais nas bancas... desde homero a nietzsche... enquanto tem stephanie meyer por 40. e as pessoas compram stephanie meyer.. entao, nao eh bem por preço, mas por direcionamento... eu nao acho q pra alguem se tornar um bom escritor precise necessariamente ler as obras clássicas tipo homero e a ilíada... eu acho um SACO.. camões é um cu chato que plagiou petrarca e é MUITO chato ler ele.. é outra época, é outra vida, outra realidade.. ficar fazendo mímese de antigos autores é sei lá, romantismo, parnasianismo... foda-se o que seria.. eu acredito que nossa geração, se quiser formar um grupo de grandes escritores tem que quebrar com regras ja obsoletas e por demais difundidas...
aqueles poemas do seu primo estariam PERFEITOS pra serem uma vanguarda, na minha opiniao.. mas aquela introduçao boçal recorreu à velha mania formalista... para, vamo fazer diferente...
eu fui numa palestra de jornalismo cultural e la tinham varios criticos.. eles dizem q a critica ta em crise, q agora com os blogs, tem mta gente fazendo papel do critico.. mas q o critico eh formado no assunto, q sabe mto melhor q esses autores anonimos da internet... enfim, mas o unico q me chamou mais atençao foi um q disse 'nao acho nem q o problema seja eles nao saberem nada, mas eles querem imitar a gente, o nosso jeito de escrever.. eles tao numa outra midia... pq eles nao aprendem a usar a internet? pq eles nao usam hipertexto, videos dos trechos q analisam?'... e é isso que eu penso...
o povo brasileiro tem lido mais... alias, nunca se leu tanto quanto hj.. só o q a gente le? autoajuda (que mobilizou mais de 8 milhoes de reais ano passado), romancezinho barato, jornal e conversas de msn RISOS.. mas é... a gente le pra caralho usando a internet.. a gente le o q a gente escreve, enquanto escreve, e le aquilo q outros escreveram...
a quantidade q vc propoe pode nao trazer qualidade... talvez acontecesse um inchaço bizarro de autores, críticos e afins e a qualidade estaria perdida na quantidade, na reprodução... nao sei se consegui dizer bem o q queria o_o sou prolixa pra caralho
Por que eu sempre tenho esperança de que tu escreva um texto curto quando diz que ele vai ser simples? (E não me venha com essa de preguiça, eu li tudo, mas fica meio cansativo.) Vamos ao que tu disse.
ResponderExcluirConcordo, e é esse o problema do sistema das artes. A Kit falou em midcult, também chamado nas artes de arte-média, pra um público-médio, mas acontece que sim, eles buscam uma diferenciação tanto quanto nós 'privilegiados', mas é uma falsa diferenciação: andrea bocelli é considerado LIXO em música erudita, e o que atrai esse público são os arranjos populares.
Só tem um aspecto do que tu falou que eu tenho quase certeza que funcionaria exatamente assim: por vaidade as pessoas começariam a ler, e lendo, sem querer, começariam a entender o real valor do que tem nas mãos. Haveriam mais escritores, mais leitores, mais pensadores, mas artistas... Infelizmente artistas eu acho que não. Todas outras formas de arte possuem uma industria cultural por trás, que lucra (editoras, produtoras musicais etc) mas a arte não tem... não há como se lucrar com a arte erudita como se há de lucrar com a reprodutibilidade de milhares de cópias de um mesmo livro, da feitura de posteres de um filme, da venda de CD's, da repercussão de aparecer numa mídia a lá Faustão da vida... e eu acho injusto, mas acho que isso é muito mais específico dessa merdinha de sistema do que em geral das outras áreas :/
Na busca de uma autonomia desesperada, eles criaram regras que ora valem ora não valem, tudo pra se manterem distante do público, da massa.
Eu penso o seguinte, e provavelmente penso ingenuamente:
ResponderExcluirAcho que somos ensinados a querer tomar uma distância da erudição, da alta cultura, porque na mídia (e em outras formas de ensinamentos) diz-se que tais livros são complicados demais, necessitam de alta inteligência, são raros, são obscuros, são "adultos demais"... Quando os adultos tentavam nos persuadir de ler alguma coisa que não costumava correr no nosso meio, a reação de uma maioria de adolescentes (e não crianças) seria de rejeitar isso, porque está, de alguma forma, entranhado na psicologia do adolescente alguma necessidade de se diferenciar dos pais (não digo todos, mas é aquela historinha de adolescentinho rebelde, historinha que é sempre de alguma forma alimentada pela mídia: novelinhas, propagandas, seriados de jovens, etc). Pode ser que eu esteja errado, mas a força desse círculo de rejeição arbitrário que foi circunscrito na arte erudita é tão forte que algumas pessoas não se consideram "com cabeça" para encarar essas coisas.
***
Sim, Kitty, concordo que precisamos de uma vanguarda, mas vou te dizer uma coisa e espero que não se ofenda:
para começar, acho de certa forma ignorância que um autor deseje subverter as formas e derrubar heroicamente barreira se ele ignora barreiras. Porque verdade seja dita: é preciso conhecer aquilo a que tu vai te opor. Em parte, essas oposições são dão porque alguns autores, que não tem uma instrução sobre aquilo que eles querem subverter, o fazem porque acham a tradição difícil e a técnica chata. Eles não tem capacidade de aplicar a técnica, e então se fiam que é muito moderno, interessante e poético escrever qualquer coisa irônica em linhas que se desregulam na folha.
Acontece que hoje em dia isso seria retrô. O poema do meu primo é retrô. Ele tem cerca de 60 anos de idade. E sabe porque? Porque quando meu primo fez esse poema, quanto à forma ele usou o futurismo e o concretismo, ambos pertencentes às vanguardas na década de 10, 20, 30... William Gibson e Blade Runner é início dos anos 80. Nada ali representa nossa época. Representar nossa época sequer seria escrever poesia, quanto mais usar o papel! Seria vender discos de 5cm de diâmetro com vídeos recortados e músicas de psy-trance...
mas enfim. Qualquer autor, mesmo os vanguardistas malucos, conheciam profundamente os clássicos e os estudavam, porque de outra forma eles não saberiam onde se diferenciar, onde buscar coisas. O próprio Marinetti demonstra o que ele subverteu da tradição através do manifesto. Ele conhecia a língua, e sabia porque os versos não deveriam ser rimados ou os substantivos deveriam ser muito mais numerosos que os adjetivos.
Em suma: acho que para o sistema literário-artístico brasileiro começar a se regenerar, seria preciso de uma revitalização pelo reaprendizado. Eu percebo que os 'cults' procuram essa forma de cultura, ainda que se baseiem demais em vanguardas européias e junkiedades. Acredito que se não tivéssemos uma auto-estima tão baixa e uma consideração tão sobrenatural pela cultura clássica, ás vezes a chamando de chata, ás vezes de difícil demais, poderíamos sim ter condições de reformar uma literatura que, na verdade, nasceu prematuramente, sem o devido desenvolvimento.